sexta-feira, 20 de março de 2009

O Primo Basílio de Eça de Queirós

Relata a vida cotidiana, os amores e as traições da pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queirós faz uma crítica demolidora da sociedade portuguesa. Publicado em 1878, O Primo Basílio é uma obra fundamental do Realismo naturalista português. O livro inova a criação literária da época, oferecendo uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queirós ataca uma das instituições tidas como das mais sólidas: o casamento.
Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a parir de sentimentos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações vulgares e medíocres – tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca, desperta o interesse da sociedade Lisboeta. Embora o adultério fosse tema já trabalhado pelo romantismo, Eça de Queirós explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes. Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo. O autor, que já mostrara sua opção por uma literatura ácida e nada sentimental em "O Crime do Padre Amaro", cria personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros – e de comportamento sexual promíscuo.

O Primo Basílio é uma obra naturalista e realista

A escola realista propõe uma criação literária apoiada na análise objetiva da realidade. O narrador aparece como um observador imparcial, que vê os acontecimentos com neutralidade e que domina as informações sobre o contexto em que o enredo acontece. O naturalismo traz uma preocupação a mais: tenta introduzir o método científico na obra literária e, com isso, intensifica e amplia as tendências básicas do Realismo.

Cenário

O continente europeu em que nasceu passava por um processo de transformação radical: A Revolução Industrial iniciada no século anterior, na Inglaterra, provocou uma industrialização acelerada em vários países.
As cidades cresciam rapidamente, camponeses transformavam-se em operários urbanos e a vida cultural diversificava-se. Londres, Berlim, Viena e principalmente Paris eram o centro de um vigoroso processo criativo.
Enquanto isso, Portugal mantinha-se apegado às glórias do passado. O país não chegou a desenvolver uma burguesia empreendedora e capitalista, nem uma elite intelectual significativa que fizesse desenvolver as artes e as ciências. A elite de Lisboa vivia apegada às glórias coloniais passadas. De costas para o futuro, vivia centrada em sua vidinha sem perspectivas.
Eça de Queirós faz parte de uma geração de jovens intelectuais, centrada em Coimbra, que reagem contra o atraso do país. Eles criticam o Romantismo como um sinônimo deste atraso. E com seus Realismo e Naturalismo pretendem incorporar à Literatura os métodos científicos próprios das ciências naturais. O autor disseca essas deformações da sociedade lusitana e explica sua fonte de pesquisa e inspiração neste trecho de uma carta enviada a Teófilo Braga, seu amigo e colega, também um doutrinário do Naturalismo e futuro presidente da República portuguesa:
"Mas a verdade é que eu procurei que os meus personagens pensassem, decidissem, falassem e atuassem como puros lisboetas, educados entre o Cais do Sodré e o Alto da Estrela, não lhes daria nem a mesma mentalidade, nem a mesma ação se eles fossem do Porto ou de Viseu; as individualidades morais variam de província a província."
Eça também observa que não ataca a família enquanto instituição, mas sim "a família lisboeta, produto do namoro, reunião desagradável de egoístas que se contradizem, e, mais tarde ou mais cedo, centro de bambochada."
Para lembrar:
O Primo Basílio apresentava-se como uma lente de aumento sobre a intimidade das famílias "de bem" de Lisboa da metade do século XIX. Representa um dos primeiros momentos de reflexão sobre o atraso da sociedade portuguesa em um mundo profundamente transformado pela Revolução Industrial e pelo desenvolvimento tecnológico.

Enredo


O pano de fundo da narrativa de O Primo Basílio é um caso de adultério. Já no primeiro capítulo, o autor lança as sementes do conflito que dá pretexto para o livro. Descreve o marido que viaja, contrariado, a trabalho; a esposa que descobre que o primo e ex-noivo revisita a cidade e as lembranças que a notícia evoca. Introduz a criada Juliana, ressentida e frustrada, que terá um papel decisivo no desfecho trágico do romance.
No segundo capitulo, o autor apresenta as figuras secundárias, enfocadas durante breves visitas dominicais à casa de Luísa e Jorge. A relação amorosa clandestina mantida por Luísa e Basílio é descoberta pela criada, que, de posse de uma carta dos amantes, chantageia a patroa. Abandonada pelo amante, que foge para Paris, Luísa não suporta a tensão e morre.

Personagens

Os personagens que recheiam a obra de Eça de Queirós na sua fase naturalista, como em O Primo Basílio, são planos, ou seja, são o oposto dos personagens de grande intensidade interior e psicológica – os personagens esféricos. Na Literatura Brasileira Capitu, de Machado de Assis, cheia de sentimentos complexos, é a mais esférica de nossas heroínas. Em O Primo Basílio toda a intensidade é reservada para a trama. Os personagens apenas são por ela envolvidos e arrastados. Ou seja, a realidade objetiva é que molda e define a vida dos homens.
Para lembrar:
É próprio do naturalismo modelar personagens de fora para dentro, a partir de circunstâncias e valores sociais que determinam suas reações e comportamentos, às vezes tão esquemáticos que mais parecem caricaturas.

Luísa, uma burguesinha da Baixa
Na descrição que o próprio Eça de Queirós faz na carta a Teófilo Braga, Luísa é "a burguesinha da Baixa" (Lisboa, Cidade Baixa): uma senhora sentimental, mal-educada, sem valores espirituais ou senso de justiça. É lírica e romântica, ociosa e "nervosa pela falta de exercício e disciplina moral". Luísa é esposa de Jorge, engenheiro de minas que ela conheceu após o abandono e rompimento (por carta) do noivado com o primo Basílio. Sua vida tranquila de leitora de folhetins é alterada pela viagem do marido e o retorno do primo a Portugal. O motivo que a leva a se entregar a Basílio, de acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia. Uma mescla de falta do que fazer com a "curiosidade mórbida em ter um amante, mil vaidadezinhas inflamadas, um certo desejo físico..." O drama em que se enreda é inexplicável para o próprio personagem, como se vê neste trecho:
"E ela mesmo, por fim? Amava-o ela? Concentrou-se, interrogou-se... Imaginou casos, circunstâncias: se ele a quisesse levar para longe, para França, iria? Não! Se por acaso, por uma desgraça enviuvasse, antevia alguma felicidade casando com ele? Não. Mas então!... e como uma pessoa que destampa um frasco muito tempo guardado, e se admira vendo o perfume evaporado, ficou toda pasmada de encontrar o seu coração vazio."

Basílio, um maroto sem paixão
O primo e ex-noivo que retorna a Portugal na ausência do marido de Luísa é para Eça de Queirós "um maroto, sem paixão nem a justificação de sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha de uma aventura e o amor grátis." Malicioso e cheio de truques para atrair a amante explorando sua vaidade fútil, Basílio compara a fidelidade conjugal a uma demonstração de atraso das mulheres de Lisboa frente aos hábitos supostamente liberais e modernos das senhoras de Paris - todas com seus amantes, conforme assegurava o primo. Desprovido de charme ou atributos mais sedutores, é o mais cínico dos personagens "conquistadores" de Eça de Queirós. Em momentos de maior dramaticidade, quando começam a enfrentar as consequências do adultério, o cinismo de Basílio fica mais evidente: ele pensa apenas que teria sido mais vantajoso trazer consigo uma amante de Paris.

Juliana, ódio e chantagem
A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. É a figura que aparece com alguma intensidade interior, destoando um pouco das razões fúteis que movimentam os demais personagens. Ela se conduz pela revolta (não suporta sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso contra a patroa (ódio, na verdade, contra todas as patroas que a fustigaram por 20 anos).
Assim como Basílio, Juliana tentara tirar proveito das circunstâncias, reunindo provas do adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende mais do que dinheiro – que exige sem sucesso de Luísa; ela quer a desforra.
E os recursos que utiliza levarão ao definhamento físico e emocional da patroa, até o desfecho da história.

Jorge, o marido traído

Todo o drama iniciado com o roubo das cartas se deve à tentativa de Luísa de impedir que Jorge saiba do adultério. Com aparições curtas no romance, sua presença se faz sentir pelo papel social que representa: é o marido.
E a forma como poderá reagir à infelicidade é especulada pelo narrador através de outro personagem, de forma metalinguística. Ernestinho Ledesma, autor medíocre que prepara uma peça teatral sobre um caso de adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o final de sua obra. Um marido deve matar a mulher adúltera?

Personagens secundários

Os personagens secundários completam o quadro social lisboeta.
O conselheiro Acácio, frequentador do círculo próximo de Luísa, um dos mais citados e conhecidos personagens de Eça, é o intelectual vazio. Sua habilidade em dizer o óbvio com empáfia deu origem à expressão "verdades acacianas".
Dona Felicidade, cozinheira que enfrenta Juliana por dedicação à patroa, é "a beatice parva de temperamento irritado". E também há "às vezes, quando calha, um pobre bom rapaz" – Eça refere-se a Sebastião, que se propõe a recuperar as cartas tomadas pela criada. Na carta a Teófilo Braga, Eça assegura:
"Eu conheço 20 grupos assim formados. Uma sociedade sobre essas falsas bases não está na verdade: atacá-las é um dever".

Estilo e linguagem

A obra de Eça adapta o texto literário ao ritmo e à modulação da língua falada. Assim, rejuvenesce a linguagem literária, mesclando-a com recursos de abordagem mais próximos do jornalismo.
Para lembrar:
O autor afasta-se do uso de frases extensas e sobrecarregadas. Esbanja habilidade para expressar-se em sequências de frases curtas, cheias de ritmos e significados. Usa e abusa da descrição minuciosa, quase obsessiva, do espaço físico e da sociedade, explicando cada personagem a partir de seu contexto sócio-econômico.

Detalhismo

É notável o esmero detalhista de Eça na descrição de uma confeitaria, neste trecho extraído do capitulo IV, em que combina elementos gerais e particulares, objetividade e subjetividade:
"Estavam parados ao pé da Confeitaria. Na vidraça, por trás deles emprateleirava-se uma exposição de garrafas de malvasia com os seus letreiros muito coloridos, transparências avermelhadas de gelatinas, amarelidões enjoativas de doces de ovos, e queques de um castanho escuro tendo espetados cravos tristes de papel branco ou cor-de-rosa. Velhas natas lívidas amolentavam-se no oco dos folhados, ladrilhos grossos de marmeladas esbeiçavam-se ao calor; as empadinhas de marisco aglomeravam suas crostas ressequidas. E no centro, muito proeminente numa travessa, enroscava-se uma lampreia de ovos, medonha e bojuda..."

Para lembrar:
A prosa do autor caracteriza-se pela ironia fina, humor, caracturismo na composição dos personagens, paródia, senso de contraste, espírito critico e, muitas vezes, grande lirismo na descrição da natureza.

Fotografia lírica dos ambientes

Eça resgata a dimensão da prosa poética na "fotografia" meticulosa e lírica que faz dos ambientes. Observe essas características no trecho a seguir:
"Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa, há prematuramente no calor e na luz, uma certa tranquilidade outonal, o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve, o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada, respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora (...) For ver-se ao espelho; achou a pele mais clara, mais fresca, e um enternecimento úmido no olhar; seria verdade então o que dizia Leopoldina, que "não havia como uma maldadezinha para fazer a gente bonita?" Tinha um amante, ela!

Visão crua dos personagens

O narrador, na 3ª pessoa de "O Primo Basílio", é onisciente. Eça deixa a vulgaridade de Basílio transparecer nos comentários que o primo faz sobre suas viagens e nos galanteios à prima, mas prefere descrever a cafajestice do conquistador retratando os pensamentos grosseiros de Basílio.

Para lembrar:
Os narradores do Realismo-Naturalismo mantêm o distanciamento crítico, sem se envolver com a história nem com os personagens.
A combinação da leveza e do brilho das descrições com o relato grosseiro da realidade é outra marca estilística de Eça. Ele opõe a expectativa romântica de Luísa e a ironização de suas idealizações ao descrever as atitudes grosseiras do amante Basílio. Bem ao gosto do Naturalismo, compara seres humanos com animais dominados por seus instintos, definindo a criada Juliana como uma loba.

Para lembrar:
O plano exterior de O primo Basílio predomina sobre o plano interior. O exagero descritivo dos ambientes reforça e complementa a fragilidade psicológica dos personagens, que nada têm de admirável. Emoções, sensações e desejos surgem no texto como ações externas ao personagem, com o trecho que descreve o impulso extraconjugal de Luisa:
"... Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura, que lera tantas vezes nos romances amorosos!"

Uma obra naturalista

O Realismo-Naturalista ou simplesmente Naturalismo é um movimento estético-literário influenciado pelas transformações científicas, filosóficas e sociais do século XIX.

Anote!
Ainda sob o efeito da Revolução Industrial, misturava o otimismo com o progresso tecnológico e a perplexidade com as tensões sócias, as doenças e a miséria. Esse mundo não correspondia mais ao universo virtuoso da literatura romântica. Uma nova literatura influenciada pelo positivismo procurava métodos mais seguros, menos subjetivos e sentimentais para expressar a realidade.

O naturalismo de Eça

Segundo palavras do próprio autor, o Romantismo "... em lugar de estudar o homem, inventa-o. Hoje o romance estuda-o na sua realidade social (...). Toda a diferença entre o Idealismo e o Naturalismo está misto. O primeiro falsifica, o segundo verifica."

A principal influência literária da fase naturalista de Eça de Queirós é atribuída aos escritores franceses Émile Zola, maior expoente do Naturalismo, e Flaubert, cuja obra lhe apontou os caminhos de saída da literatura romântica. Madave Bovary foi o exemplo apresentado por Eça na conferencia do Cassino Lisbonense, em 1871.

Narrativa Neutra
O Naturalismo provoca mudanças estilísticas no romance.
Anote!
No Naturalismo, o homem é observado como animal que tem o comportamento determinado pelo meio ambiente, pelas circunstâncias que o pressionam e hereditariedade.
Esses elementos "científicos" tornam-se mais importantes do que a interioridade ou subjetividade dos personagens. A origem social, educação e influências externas ganham ênfase determinantes, como se observa em O primo Basílio.
Novos recursos são incorporados à linguagem, como termos e explicações científicos para expressar a fragilidade da condição humana, com suas doenças e vícios. A literatura é, além disso, revigorada com a introdução de vocabulário e sintaxe da linguagem oral. Na técnica narrativa predomina o estilo indireto.

Glossário

Bambochata: orgia ou extravagância.
Bojuda: arredondada.
Discurso indireto: reprodução das palavras de alguém na terceira pessoa.
Empáfia: orgulho fora de propósito, descabido e, às vezes, ridículo.
Malvasia: vinho ou licor feito de uma variedade de uva muito doce, natural da região do Mediterrâneo.
Metalinguística: relativo à metalinguagem, ou seja, linguagem utilizada para descrever outra linguagem.
Onisciente: o que sabe tudo.
Sintaxe: parte da gramática que estuda a disposição das palavras nas frases e das frases no discurso.

Vida e obra

Entre a Boemia e a Literatura
Foi por causa de um extenso e polêmico artigo de Machado de Assis, publicado em 1878, na Revista Cruzeiro, do Rio de Janeiro, que Eça de Queirós ficou conhecido nos meios literários brasileiros. Machado reprovava em Eça falta de consistência de seus personagens, o predomínio das sensações físicas em detrimento das emoções. O alvo de Machado era o Naturalismo, mas ajudou a divulgar o autor português, e dizem os críticos, acabou influenciando-o.
José Maria Eça de Queirós (1845-1900) nasceu em Póvoa do Varzim, em Portugal. Concebido antes do casamento dos pais, que mais tarde tiveram outros filhos, só foi reconhecido oficialmente como filho do juiz de direito José Maria d'Almeida Teixeira de Queirós aos 40 anos. Com a morte dos avós paternos, que o acolheram, foi estudar no colégio interno na cidade do Porto. Lá, conheceu Ramalho Ortigão, que o ensinou francês e a gostar de literatura. Juntos escreveram o romance "O mistério da estrada de Sintra e As Farpas", um livro de crônicas políticas e literárias. Em sua estréia, Eça era fortemente influenciado pelo Romantismo.
Aos 16 anos foi cursar Direito na Universidade de Coimbra, o principal centro intelectual de Portugal. Na universidade aproximou-se do grupo de estudantes liderados pelo poeta socialista Antero de Quental, também integrado por Teófilo Braga.
Eça prefere a vida boêmia às polêmicas intelectuais que agitam a sociedade portuguesa, mas não deixa de se alinhar com aqueles que criticam a paralisia cultural do país. Aos 21 anos, muda-se para a capital e publica folhetins românticos, para divertir a burguesia.
Obtém pouco sucesso como advogado e aceita o convite para dirigir um semanário de província, O Distrito de Évora. Em 1868, liga-se ao Cenáculo, o grupo de Antero de Quental. No ano seguinte, visita o Canal de Suez e o Egito. Na volta, passa em primeiro lugar num concurso para o serviço diplomático português. Antes de ser nomeado, vive um ano na provinciana Leiria, onde escreve "O Crime do Padre Amaro", seu livro mais polêmico. Em Lisboa, participa das Conferências do Cassino Lisbonense ministrando a palestra "O Realismo como Nova Expressão de Arte", em que defende a necessidade de a arte retratar e revolucionar a sociedade burguesa. Em 1872, muda-se para Havana, em Cuba, como cônsul. Faz uma viagem oficial prolongada aos Estados Unidos e em 1873 vai morar na Inglaterra, onde escreve “O Primo Basílio”. Casa-se aos 40 anos com Emilia de Castro Pamplona, com quem teve quatro filhos. Morre em agosto de 1900 em Paris, aos 55 anos.

Uma obra e tanto
Eça é o mais importante romancista português do século XIX. Em 1866, publica Notas Marginais, no jornal Gazeta de Portugal, textos posteriormente reeditados com o título Prosas Bárbaras (1905). Seu primeiro romance, "O mistério da Estrada de Sintra", publicado em folhetins no Diário de Notícias (1970), é escrito em parceria com Ramalho Ortigão (1836 a 1915). Na forma de cartas enviadas ao jornal, relata um sequestro com tanto realismo que convence vários leitores da veracidade do fato. Em 1871, publica "As Farpas". Escreve, nos anos seguintes, suas obras-primas do período realista-naturalista: "O crime do Padre Amaro" (1875), "O Primo Basílio" (1878) e "Os Maias", Episódios da Vida Romântica, considerada a principal obra do romance português. A publicação de "A Relíquia" (1887) revela um Eça mais próximo da Literatura fantástica. Nesse período, abandona as idéias revolucionárias e participa de um grupo de intelectuais, os Vencidos da Vida, para quem lutar não vale a pena. Longe de sua terra, o romancista defende o retorno de seu país às suas origens tradicionais. No romance "A Ilustre Casa de Ramires" (1900), o personagem do título não consegue se colocar à altura de seus antepassados medievais, cuja história recompor. Outras obras dessa fase são "A correspondência de Fadique Mendes" (1900) e "A cidade e as Serras" (1901), que trata do tédio do protagonista Jacinto Torres, milionário culto e atualizado que sai de Paris para visitar o cemitério dos antepassados em Tormes, Portugal, e muda-se definitivamente para o campo.

Boa leitura!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Resumo: Auto da Barca do Inferno – Gil Vicente (escrita em 1517)

Movimento literário: Humanismo

Humanismo em Portugal:
Início - 1418 – Fernão Lopes é nomeado guarda-mor da Torre do Tombo.
Término – 1527 – Sá de Miranda – medida nova (decassílabos, soneto, oitava, comédia clássica)

Autos e farsas: são peças de tradição medieval e caráter popular, cujos assuntos podem ser religiosos ou profanos, sérios ou cômicos.
Finalidade: divertir e moralizar os costumes (insinuando a moral e a fé)

Teatro:
Início do teatro português: 07/06/1502, por ocasião do nascimento do filho de D. Manuel e D. Maria de Castela, Gil declama, em espanhol, O Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação.
Seu teatro foi influenciado pelo teatro dos espanhóis Juan del Encina e Lucas Fernandez.
• 44 peças: 17 em português, 11 em castelhano e 16 bilíngues.

Características:
- Primitivo, rudimentar e popular.
- Improviso.
- Cenário ausente.
- Abundante uso de mímica.
- Crítico (povo, fidalguia, clero) e moralizante.
- Ausência de regras: sem unidade de ação, tempo e espaço.
- Escrito em poesia.
- Versos curtos (redondilhos= medida velha).

Estilo: obra escrita predominantemente em versos heptassílabos, em tom coloquial e com intenção marcadamente doutrinária, fundindo em algumas passagens o português, o latim e o espanhol. Cada personagem apresenta, através da fala, traços que denunciam sua condição social – personagens alegóricas.

Estrutura: peça teatral em um único ato, subdividido em cenas marcadas pelos diálogos que o Anjo ou o Diabo travam com os personagens.

Cenário: um ancoradouro, no qual estão atracadas duas barcas. Todos os mortos, necessariamente, têm de passar por esta paragem, sendo julgados e condenados ou à Barca da Glória ou à Barca do Inferno.

Temática religiosa: juízo final.

Local: Porto de um rio onde se dá o julgamento (Purgatório = 1º destino). Os outros destinos são o Inferno ou o Paraíso.

Personagens:

1° Fidalgo:
- A luxúria, a tirania, a vaidade e a ostentação (representadas pela cauda de seu manto e pela cadeira de encosto) = símbolo da nobreza para ele, mas para o diabo é símbolo de tirania.
- nada lhe valeu as “compras de indulgências” ou “orações encomendadas”.

- “ilha perdida” = eufemismo de “inferno”.

2º Onzeneiro:
- Pessoa que empresta dinheiro a juros, agiota (carrega uma bolsa = símbolo de sua usura- cobrança abusiva de juros). Simboliza a ganância, o apego aos Bens Materiais.

3º Joane, o Parvo:
- É tolo, ingênuo (usa termos grosseiros e baixos e gírias = cômico).
- Diz não ser “ninguém”, e não traz nada consigo.

4º O sapateiro João Antão:
- Roubou o povo durante 30 (trinta) anos (com seu avental e carregado de fôrmas = símbolo de extorsões cometidas na Terra).

5º O Frade chega com Florença, sua amante:
- Traz consigo um escudo (broquel), uma espada e uma capa com cobertura para a cabeça = casco.
- Praticava esgrima (padres não podiam portar armas).
- É alegre, cantante, bom dançarino e mau-caráter.
- Não soube pregar as 3 (três) coisas mais simples: a paz, a verdade e a fé.
- O Frade acredita que, por ter rezado e estar a serviço da fé, deveria ser perdoado de seus pecados mundanos.

6º Brísida Vaz:
- Explora a prostituição, é alcoviteira e feiticeira.
- Traz roupas, arcas de feitiços e vários elementos para atrair os homens.
- Por sua devassidão e falta de escrúpulos, é condenada.

7º Judeu:
- Traz um bode às costas = adesão a Moisés e não a Cristo (bode ou cabra estão associados ao Diabo).
- Cordeiro está associado a Jesus – iconografia = arte de representar através de imagens.
- É condenado por não seguir os preceitos religiosos da Fé Cristã. ( Um judeu, quando convertido ao Cristianismo, são tachados de “cristãos novos”)
- É marginalizado e tenta, através do suborno (quatro tostões), reverter a situação a seu favor.

8º Corregedor:
- Equivale a juiz de direito (traz processos).
- Fala em latim (latim macarrônico – expressava-se muito mal = cômico).
Procurador:
- Carrega livros.

Ambos são chamados de “pragas da justiça” pelo anjo, justamente por interpretar ou falsificar os processos (representam o judiciário e são imorais).
- Manipulam a justiça de acordo com as propinas ( rendimentos) recebidos.

9º Enforcado:
- Traz a corda, supondo que ela demonstraria que ele saldara as suas dívidas para com a sociedade, mas não saldara com Deus.
- Seu julgamento terreno e posterior condenação à morte o teriam redimido de seus pecados. Para livrar-se do purgatório rezara o saltério, os sete salmos penitenciais.

10º Quatro Cavaleiros:
- Trazem cada um a Cruz de Cristo – foram absolvidos dos seus pecados porque morreram nas lutas contra os mouros, defendendo o Cristianismo.
- Os cavaleiros sequer são acusados, pois deram a vida pela igreja.

Auto da Barca do Inferno: auto de moralidade (finalidade didática = visava analisar e criticar os costumes, o comportamento dos indivíduos e o resultado de uma maneira de Ser e Proceder).
Os personagens desfilam, como numa procissão e são obrigados a reconhecer os seus destinos: o inferno (motivo = pecados cometidos em vida).
A personagem é personificada e representa o defeito de sua classe social ou ocupação profissional.(Alegoria)

*Diabo: personagem vigorosa que conhece a arte de persuadir, é ágil no ataque, zomba, retruca, argumenta e penetra nas consciências humanas. Ao Diabo cabe denunciar os vícios e as fraquezas, sendo a personagem mais importante na crítica que Gil Vicente tece de sua época.

*Parvo: duas funções: (o Parvo anula o que poderia ser monótono e repetitivo).
1ª dramática: é espectador e comentador irônico dos fatos.
2ª teatral: marca de 2 (dois) em 2 (dois) episódios uma transição assimétrica, disfarçando a verdadeira simetria estrutural dos episódios.

Boa leitura!

terça-feira, 3 de março de 2009

Resumo: Memórias de um sargento de milícias (Manuel Antônio de Almeida – é o romancista de costumes de nossa Literatura)

- o romance de costumes tende para a norma, para a caracterização de tipos mais do que para análise de pessoas.
- no Correio Mercantil, publica sob o pseudônimo Um Brasileiro, esparsamente, as Memórias de um sargento de milícias.
A obra é dividida em duas partes: a 1ª tem 23 capítulos
e a 2ª, 25 capítulos.
Estrutura da obra:
- os episódios são escritos de forma autônoma, mostrando-se como uma seqüência de situações, ou seja, pequenos relatos cuja unidade é dada a partir do protagonista, Leonardinho (os críticos consideram-na uma novela, por causa dessa autonomia dos capítulos, em lugar de romance).

- podemos considerar que “Memórias de um sargento de milícias” constitui a primeira afirmação do nacionalismo em nossas letras, libertando-se dos padrões discursivos lusitanos e empregando não só personagens suburbanas, mas também o linguajar do povo. Essa renúncia ao estilo vigente na época é o principal fato da grandeza da obra.

- a obra constitui um verdadeiro painel dos tempos de D. João VI, uma crônica dos subúrbios cariocas e das diabruras de um certo Leonardinho, verdadeiro paladino da mentira e da vadiagem, anti-herói e peralta-mor.

- nessa obra, tudo tem cheiro de povo, sem “frescuras” ou formalidades. Cria-se num mundo carnavalesco, onde a indústria não havia estancado o artesanato, e a sobrevivência fazia-se na base da parceria, da troca de bens, da amizade ou mesmo do furto esporádico, simples desaperto. Um mundo onde a ordem (aristocracia lusitana e funcionalismo público) se confunde com a desordem (rebeldia e independência do zé-povinho)

- a obra contraria a solenidade retórica dominante, que é substituída pelo tom humorístico e caricatural, mais próximo do gênero picaresco

Foco narrativo: romance é narrado na 3ª pessoa por um narrador onisciente, mas que interfere na narrativa muitas vezes, justificando a obra ou tentando dialogar com o leitor (leitor incluso)

Ação: dinâmica e contínua, criando uma atmosfera de romance de aventuras, graças às estripulias do picaresco Leonardinho e da troca contínua dos pares amorosos.

Tempo: cronológico, estabelecido pela 1ª frase do livro: “era no tempo do rei”.(A ação narrativa passa-se nas primeiras décadas do século XIX.)

Espaço: é o Rio de Janeiro, mostrado de forma realista e através de descrições precisas do centro velho e dos subúrbios, de onde saem as personagens.

Personagens: formam uma galeria de tipos populares dos subúrbios do Rio de Janeiro, composta de meirinhos, parteiras, granadeiros, vadios, sacristãos, brancos, pardos e pretos – elementos do povo, de todas as raças e profissões.

1 - Leonardo Pataca:
- era alfaiate em Portugal e torna-se oficial de justiça no Rio.
- mulherengo, espertalhão e interesseiro
- casa com Maria Hortaliça – cigana – e termina com Chiquinha, que é filha da Comadre.

2 – Maria Hortaliça:
- era verdureira em Portugal
- mulher infiel

3 – Leonardinho:
- protagonista da obra
- é um anti-herói típico: peralta, malandro, vadio e especialista em pregar peças e preparar vinganças (Representa o herói pícaro, que não serve de exemplo para ninguém)
- em lugar do herói idealizado e mítico, surge um anti-herói (herói pícaro), talhado bem próximo da realidade humana e sujeito a defeitos e atrapalhações que não condiziam com os modelos a serem seguidos pelo Romantismo

4 – Comadre:
- madrinha de Leonardinho
- parteira e benzedeira

5 – Compadre:
- padrinho de Leonardinho
- barbeiro por profissão, desonesto

Vários personagens não têm nome no livro, mas são designados pela profissão ou condição social que possuem: parteira, barbeiro.
Quando um personagem desses fala ou age, tem-se a impressão de um grande movimento, pois neles vislumbram-se todo o grupo social a que pertencem. Esta é uma das razões para considerar a obra como um dos livros mais vivos e dinâmicos da Literatura Brasileira.

6 – Luisinha:

- enteada de D. Maria
- casa-se com José Manuel (Após a morte do marido, casa-se com o protagonista)

7 – Vidinha:
- moça por quem Leonardinho se apaixona
- toca e canta modinhas
- é o elogio da mulata nacional, retratada ao natural, opondo-se às donzelas sonsas do Romantismo

8 – Major Vidigal:
- personagem histórico. É chefe dos granadeiros - representa a autoridade policial
- homem que causa respeito e medo nas pessoas

9 – D. Maria:
- tem mania de demandas judiciais, acaba sendo tutora de Luisinha

10 – Outras personagens:
- Maria Regalada, José Manuel e Teotônio (tocador)

Estilo: linguagem simples, clara, próxima da oralidade e do coloquialismo, condizente com o estilo jornalístico da obra. (valorização do coloquialismo, a fala mais popular das personagens, gente miúda saída dos arredores mais humildes da cidade do Rio de Janeiro

Temática: críticas ao autoritarismo policial, à religião, ao clero imoral, ao interesse econômico, ao casamento como meio de ascensão social e à vadiagem como meio de vida. Há, ainda, uma espécie de paródia do próprio Romantismo, montado nessa obra às avessas, abandonando os adocicados finais felizes para deixar nas entrelinhas uma sucessão de fatos tristes que poderiam vir a acontecer

Estilo individual:
O estilo da obra, bem como de seu autor, apresenta tendências bem pessoais e marcantes:
a) linguagem bem coloquial, marcada por incorreções e linguajar lusitano, interiorano ou das periferias de Lisboa, lembrando que boa parte das personagens são imigrantes portugueses ou gente simples do povo
b) ausência de personagens idealizadas e de análise psicológica: o romance focaliza os costumes, hábitos e cacoetes das personagens de camadas sociais inferiores, numa construção mais realista da sociedade suburbana do início do século XIX
c) presença do humorismo, do ridículo e do burlesco: o tom geral da obra segue a tendência da gozação, marcado que está pela construção de personagens que tendem para o caricatural, para o mais absoluto ridículo. A essa tendência chamamos carnavalização
d) presença da ironia
e) presença da metalinguagem: a obra volta-se para si mesma, comentando os procedimentos que estão sendo empregados: palavras utilizadas, explicações sobre capítulos ou personagens que desaparecem de cena
f) presença de digressões: a narrativa não segue a ordem linear dos fatos, é episódica e, não raro, foge da história para comentar fatos paralelos ou para dar explicações sobre o próprio livro
g) presença do narrador intruso, que o tempo todo se intromete para dar explicações, analisar fatos ou personagens e conversar com o leitor. (leitor incluso)
h) presença do leitor incluso, com quem o narrador procura estabelecer conversação: “por estas palavras vê-se que ele suspeitara alguma coisa, e saiba o leitor que suspeitara a verdade”

Manuel Antônio de Almeida
- Rio de Janeiro (1831)
- abandonou o curso de desenho na Academia de Belas Artes
- filho de família pobre
- formou-se em medicina – RJ – em 1855 – mas não exerceu
- foi administrador da Tipografia Nacional
- faleceu em 28/11/1861 no naufrágio do vapor Hermes

Memórias de um sargento de milícias distancia-se da média da sensibilidade romântica pelas seguintes razões:
1 – a história não envolve personagens da classe dominante, mas sim de pessoas de baixa renda,
2 – o personagem central não é herói nem vilão, trata-se de um anti-herói malandro, de natureza picaresca,
3 – as cenas não são idealizadas, mas reais, apresentando aspectos pouco poéticos da existência,
4 – ausência de moralismo e recusa da idéia de que as ações humanas se dividem necessariamente entre boas e más,
5 – troca de sentimentalismo pelo humorismo, do estilo elevado e poético pelo estilo tosco e direto, sem torneios embelezadores,
6 – o estilo é oral e descontraído, diretamente derivado da conversa ou do estilo jornalístico da época.

Enredo:
O romance se passa “no tempo do rei” isto é, antes da proclamação da independência. Inicia-se com a vinda dos portugueses Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça para o Brasil. O namoro entre ambos começa ainda a bordo, com “uma valente pisadela” de Leonardo no pé de Maria, a que esta revida com um “tremendo beliscão”. Vão morar juntos e dessa união nasce Leonardinho. Com a separação do casal, o menino, então com sete anos, passa aos cuidados do “compadre”, um barbeiro solteirão que, pretendendo educá-lo, lhe faz todas as vontades. Anos depois, a “comadre” (que não tem parentesco algum com o “compadre”) tenta favorecer o namoro de Leonardinho com Luisinha, sobrinha e herdeira de uma senhora rica. O namoro não dá certo e Luisinha casa-se com José Manuel. Leonardinho provoca inúmeras confusões, acaba preso pelo terrível Major Vidigal, mas escapa da cadeia e, tempos depois, ingressa nas milícias, onde chegará ao posto de sargento. Reencontra Luisinha, agora viúva, com quem finalmente se casa.

Boa leitura!
Resumo: Vidas Secas (Graciliano Ramos)

Movimento literário: Modernismo (Geração 1930/1945)
2ª fase: estabilidade: preocupação ideológica (mostrar para o leitor uma visão nova de ver o mundo)
- a arte engajada está presa na denúncia crítica da sociedade
- literatura mais preocupada com o CONTEÚDO ( o importante é o que eu escrevo) e não com a FORMA
- romance proletário: o empregado é objeto de estudo.

Início do romance regionalista nordestino – 1928 – A Bagaceira de José Américo de Almeida
O Regionalismo engajado dos anos 1930 teve no autor de Vidas Secas seu ponto alto. O homem hostilizado pelo ambiente, devorado pelos problemas que o meio lhe impõe, fica acuado, como animal, incapaz de lutar contra adversidades e injustiças. Aceita a fome, a miséria, a seca e a dor de viver sem projetos.

Vidas Secas: (1938) – romance social e psicológico (obra marcada pelo fenômeno da seca)
O título da obra poderia ser “Sobrevidas Secas” (Nada em suas vidas é definitivo, nada é seguro, nem mesmo a própria identidade)
Determinismo: o meio os transforma, a vida é seca. Eles têm tudo para ser homens internamente, mas o meio os impede; não realizam o seu potencial humano e acabam virando coisa = coisificação ou reificação.

- narrado em 3ª pessoa
- onisciência do narrador: mostra a miséria e a situação precária do mundo exterior.
- discurso indireto livre: revela o interior das personagens (instrumento de análise comportamental e psicológica)
O discurso indireto livre dá ao narrador-observador um posicionamento discreto: sua “voz” quase se confunde com a das personagens.

Enredo: um grupo de nordestinos, composto por Fabiano, a mulher (Sinhá Vitória), dois filhos, uma cadela (Baleia) e, no início, um papagaio batem em retirada. Para a sobrevivência do grupo, é travada uma luta incessante, incluindo o sacrifício do papagaio e a mesquinha contribuição de Baleia através da caça de um preá, servindo para adiar a morte do grupo. Após tempos de caminhada, abrigam-se em uma fazenda abandonada, vêm as chuvas, Fabiano oferece seus préstimos de vaqueiro e continua na fazenda consciente de sua transitoriedade naquelas paragens, quer porque o patrão poderia expulsá-los a qualquer instante, quer pela seca, terror constante por ser um processo cíclico e real. Nesse intervalo, Baleia morre. Quase desamparados, partem em busca de novas terras quando chegam as secas, mas desta vez fugindo para a cidade grande, acalentados pela esperança de uma vida melhor.
Dois elementos constitutivos de Vidas Secas podem ser destacados: a paisagem, a linguagem e o problema social, todos eles entrelaçados.

- 13 capítulos: a leitura não precisa ser direcionada e linear e o tempo não é cronológico.
- romance, mas pode ser considerada contos = estórias autônomas.

Espaço: amplitude da caatinga, numa certa fazenda perto de um povoado indeterminado.
- essa região apresenta como característica dominante o clima tropical semi-árido, com chuvas escassas e irregulares

Obra cíclica: inicia com a chegada e termina com a partida.
1º capítulo- Mudança: traz os retirantes fugindo da seca e se refugiando na mesma região, defrontando-se com o espaço de uma fazenda abandonada.
13º capítulo – Fuga: a família parte para outra região, onde enfrentará o desconhecido que se lhe afigura paradoxalmente como esperança e medo. Eles partem em busca de uma vida melhor, mais cheios de questionamentos.
O problema social tratado em Vidas Secas é extremamente brasileiro e de âmbito regional. A seca gera miséria e a miséria, a morte e a desolação. Neste sentido, é lícito pensar que não sobram alternativas para os retirantes a não ser as migrações contínuas de terra para terra, na mesma região, caracterizando a mudança; ou de região para região transfigurando-se em fuga.
O capítulo inicial “Mudança” e o final “Fuga” oferecem ao leitor dados suficientes para perceber que a trama se desenrolará entre duas estiagens.
Nada se altera: “Mudança” e “Fuga” distinguem-se apenas no nome; são rotas de quem pretende desviar-se da morte.
- miséria do mundo físico (paisagem) x ausência de domínio lingüístico
- discurso indireto livre: força interior atribuída pelo autor às personagens
- interjeição: hum = exprime dúvida, desconfiança.

2º Fabiano:
- o nome Fabiano (dicionário do Aurélio) significa indivíduo inofensivo, pobre diabo. Indivíduo qualquer, desconhecido, João-ninguém.
- Fabiano constitui-se, num herói problemático, marcado pela contradição entre a revolta e a passividade.
- desconfiado, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Ele não se define como gente = está em conflito com o meio em que vive e com as pessoas que o rodeiam. Profundo sentimento de inferioridade.
- cambaio, barba ruiva e suja, rosto queimado, olhos azuis, cabelos ruivos
- ele achava que todos estavam contra ele
- falava por meio de exclamações e onomatopéias (incapacidade de falar e pensar)
- ele é um bicho/homem ou homem/bicho (zoomorfização: processo usual entre os escritores naturalistas)
- alimentava-se de “raiz de imbu” e “sementes de mucunã”
- compara a si mesmo e a família a ratos. Identifica-se como cabra, forma nordestina de se referir a pessoas de nível social inferior. Orgulha-se por se sentir como um bicho. Assemelha-se a um macaco. Progressivamente conscientiza-se de sua condição inferior.
- tensão crítica entre o humano, o geográfico e o social.
- civilização do couro: gira em torno do gado. Fabiano é um vaqueiro.
A morte do grupo é adiada por dois motivos: o sacrifício do papagaio e o preá caçado por Baleia.

4º Sinhá Vitória:
- sonho: cama de lastro de couro (símbolo de estabilidade e de felicidade)
- rosto moreno e olhos pretos
- sonha com escola para os filhos, vida digna
- queria vida e não sobrevida
- versão feminina de Fabiano

Círculo vicioso: eles não têm nome = perpetuarão o mesmo tipo de vida dos pais)
5º O menino mais novo: era magro, olhos tímidos, sonhava em ser como o pai e
6º O menino mais velho: queria saber sobre o inferno e tinha braços magros e dedos finos.

9º Baleia:
- é espontânea e comunicativa (vence a incomunicabilidade)
- é guia, pois indica a direção a ser tomada
- responsável pela sobrevivência do grupo (caça preás)
- é companheira das crianças (nas brincadeiras) e dos adultos ( no trabalho)
- é vista como gente (antropomorfismo)
- a consciência trágica da vida e da família está na cachorra Baleia
Emagreceu, o pêlo caiu, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Fabiano achou que ela estivesse com um princípio de Hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Ela piora e Fabiano decide matá-la (Baleia recebe um tiro)

Soldado Amarelo:
- símbolo da repressão gratuita da autoridade
dois capítulos:
3º Cadeia:
- subjuga Fabiano e todos aqueles que como ele vivem e

11º Soldado Amarelo:
- referência à covardia desta mesma autoridade quando distante do distintivo, emblema, divisa.
- o adjetivo amarelo pode referir-se ao cáqui da farda, à cor doentia do sertanejo e o pavor do soldado quando distante do destacamento policial.
Fabiano é convidado por um soldado amarelo para jogar cartas. Acaba sendo empurrado pelo soldado amarelo, por abandonar o carteado. Dizendo-se desrespeitado, o soldado pisa no pé de Fabiano, que retruca xingando-lhe a mãe. O soldado dá um apito e todo o destacamento aparece para apoiar a voz de prisão de Fabiano.
Fabiano é surrado, recebendo golpes de facão no lombo, passa a noite a remoer sua revolta, em completo estado de confusão mental.
Fabiano tentava vender um porco quando foi surpreendido pelo fiscal da prefeitura, além de multá-lo por vender carne sem pagar imposto, o funcionário o insultara e o escorraçara do lugar.

10º Contas:
- são feitas por sementes (adição e subtração)
- exploração do homem: Patrão = poderio da palavra ( explorador insensível do sofrimento humano)

Não há progressão social:
Patrão (é sempre patrão) x empregado(é sempre empregado) = círculo vicioso (A diferença nas contas era proveniente de juros) justifica o patrão.
Intimidade da família:
7º Inverno: fala do desconforto sofrido em uma noite chuvosa, típica do inverno dessas regiões, quando todos estão encolhidos ao redor de uma fogueira sofrendo perturbações atmosféricas (umidade)
A água é, ao mesmo tempo, sinônimo de fertilidade e de destruição e morte.
8º Festa: focaliza-os em um dia de Natal na feira da cidade. (Fabiano percebe a diferença social)
Fabiano comprara tecido em quantidade insuficiente, as roupas haviam ficado curtas e apertadas. A sensação de ridículo aumenta com o desconforto e a falta de hábito de usar sapatos: o constrangimento quase anula o deslumbramento.
Capítulo mais dramático 12º “O mundo coberto de penas”: relata a luta incessante que os animais, inclusive o homem, travam na constante luta pela sobrevivência.
As aves de arribação anunciavam novo ciclo de seca. (Elas constituem um símbolo ambíguo: de um lado, acentuam os efeitos da seca, porque bebem a pouca água existente ; de outro, servem de alimento e, temporariamente, impedem que a família morra de fome.

Seu Tomás da Bolandeira: surge, neste contexto, como um ser posto entre o humano e o divino (Macunaíma), tornando-se o símbolo do saber, da humanidade e da justiça.
- amarelo e corcunda, sisudo
- era conhecido por ter a máquina de triturar cana-de-açúcar e ralar mandioca, puxada por animais que movimentam uma roda grande, acionando o rolete da moenda.
- morreu por causa do estômago doente e das pernas fracas

Linguagem: a linguagem enxuta serve para caracterizar a ambientação seca e miserável do Nordeste.
O vocabulário parco (econômico) é para mostrar as ambições pequenas e limites estreitos para os pensamentos dos retirantes.
Frases curtas, diretas: remete apenas ao essencial, ao concreto descrito nas cenas.
A relação dos membros da família entre si e com o grupo é feita mais pela comunicação gestual e/ou onomatopaica que pela palavra, que, no entanto, é o dom supremo do ser racional.

Sinais ou Índices:
- trovão = tempestade
- aves de arribação = seca
- soldado amarelo = ódio
Superstição: um traço importante da personalidade de Fabiano é a crença quase absoluta nos poderes sobrenaturais.
Quando se vê em situações difíceis, o vaqueiro apela para as superstições:
. em Mudança, olha para o céu e se põe a contar estrelas, por achar que isso traria a chuva,
. em Fabiano, para curar uma novilha doente, monta uma cruz com gravetos e reza, fazendo o curativo nas pegadas que o animal deixara na areia,
. em O menino mais velho, considera que uma entidade protetora segurava-o na sela quando domava animais xucros,
. por fim, em O mundo coberto de penas, atemoriza-se com a possibilidade de Baleia, em quem dera um tiro, virar uma alma penada para vir assustá-lo.
Conto é uma narrativa ficcional curta, condensada, que apresenta poucas personagens, poucas ações e tempo e espaço reduzidos. O enredo tem geralmente a seguinte estrutura: introdução, complicação, clímax e desfecho. Emprega geralmente a variedade padrão da língua.

A Morte Vermelha
Edgar Allan Poe

A morte vermelha havia matado milhares de pessoas. Nenhuma doença tinha sido tão terrível. Havia dores agudas e desmaios repentinos e um sangramento intenso através da pele; a morte chegava em meia hora. Manchas vermelhas no corpo e especialmente no rosto separavam o sofredor de toda ajuda e solidariedade; e assim que esses sinais apareciam toda esperança era perdida.
Mas Príncipe Prospero era feliz e corajoso e sábio. Quando metade de seu povo havia morrido, ele reuniu milhares dos seus cavalheiros e damas, todos alegres e com boa saúde, e que com eles foi morar em seu mais distante castelo. O edifício imenso e suas terras eram circundados por um muro forte e alto. Este muro possuía portões de ferro. Os lordes e suas famílias, tendo entrado, aqueceram e derreteram as fechaduras dos portões, e se certificaram de que não haveria nenhuma chave que pudesse abri-los algum dia de novo. O castelo, no qual ninguém poderia agora entrar ou sair, era bem provido com comida e seguro contra o perigo de doenças. O mundo lá fora poderia tomar conta de si mesmo. Ali dentro seria estúpido se preocupar ou pensar. O príncipe tinha planejado uma vida de prazeres. Havia atores e músicos, havia coisas bonitas, havia vinho. Tudo isso e a segurança existiam lá dentro. Lá fora estava a Morte Vermelha.
A corte havia estado talvez cinco ou seis meses no castelo e a doença havia atingido seu ponto máximo, rompendo as muralhas, quando Príncipe Prospero divertia seus milhares de amigos em um excepcional e grandioso baile de máscaras.
Sete das melhores salas do castelo foram especialmente organizadas para o baile. Estas salas estavam situadas irregularmente em um canto do edifício, com curvas acentuadas entre elas; de forma que era dificilmente possível ver o interior mais que um por vez. Cada uma das salas estava pintada e decorada com uma cor diferente, e as janelas eram de vidros coloridos para combinar com as salas. A sala do lado leste foi pintada de azul e suas janelas eram azul-brilhante. A segunda sala era rosa, e lá os vidros eram roxos. A terceira era toda verde, a quarta amarela, a quinta laranja e a sexta branca. A sétima sala era completamente negra, mas suas janelas eram diferentes. Elas eram as únicas que não combinavam com a cor da sala. Os vidros ali eram de um vermelho profundo – a cor do sangue.
Então não havia lâmpadas ou luzes em nenhuma dessas salas. Mas fora de cada uma das janelas coloridas, fogueiras haviam sido acesas, e suas chamas produziam figuras estranhas e belas nas salas. Na sala negra, no entanto, o efeito da luz do fogo que brilhava através do vidro vermelho era terrível ao extremo. Poucos do grupo eram suficientemente corajosos para entrar naquela sala. Nesta sétima sala também um grande relógio de madeira preta ficava contra a parede do lado oeste. Quando chegou o tempo para este relógio marcar a hora, ele emitiu um som que era claro e alto e profundo e muito musical, mas de um tom tão estranho que os músicos pararam de tocar para ouvi-lo. Então a dança foi interrompida e houve alguns momentos de confusão entre o grupo feliz. Quando a última badalada tinha terminado, um riso leve irrompeu. Os músicos olharam uns para os outros e sorriram de sua própria estupidez, dizendo que eles certamente não permitiriam que o badalar do relógio interrompesse sua música da próxima vez. Mas sessenta minutos mais tarde haveria uma outra parada e o mesmo desconforto e confusão de antes.
Apesar disso, foi uma festa alegre. Havia beleza e originalidade nos vestidos das damas e muito era o brilho e a imaginação nos trajes dos cavalheiros, embora houvesse alguns que pareciam assustadores. Os dançarinos mascarados se movimentavam entre as sete salas como silhuetas em um sonho. Eles se moviam no ritmo da música e mudavam de cor conforme eles passavam de uma sala para outra. Era evidente que, com o passar da noite, poucas pessoas iam se aproximando da sétima sala – a sala negra -. Com suas janelas vermelho-sangue.
Finalmente o grande relógio daquela sala começou a badalar a meia-noite. E então a música parou, como eu disse, e os dançarinos ficaram quietos, e havia um sentimento de desconforto entre todos eles. Antes que a última das doze badaladas tivesse tocado, muitos dos mais atenciosos dançarinos haviam percebido na multidão uma figura mascarada que ninguém vira antes. Sua aparência causou primeiramente um sussurro de surpresa, que passou rapidamente a lamentos de medo, de incômodo, de terror.
O espectro era alto e magro e vestido da cabeça aos pés com roupas de túmulo. A máscara que cobria seu rosto era feita para se assemelhar a uma caveira, que mesmo com o exame mais detalhado, não poderia facilmente ser tomado como falso. Mas o grupo presente realmente não se opunha a nada disso. Seu aborrecimento e medo vinham do fato de que o estranho estava vestido como a Morte Vermelha. Suas roupas estavam manchadas de sangue – e em seu rosto todo havia as marcas vermelhas da morte.
Quando os olhos do Príncipe Prospero caíram sobre aquela figura terrível que ( que caminhava vagarosamente entre os dançarinos) seu rosto avermelhou-se de raiva.
“Quem ousa ele exigiu fortemente dos cavalheiros e damas que estavam perto dele “quem ousa nos insultar dessa maneira? Peguem-no e arranquem a máscara de modo que nós possamos saber quem nós teremos que enforcar ao amanhecer!”
O Príncipe estava em pé no lado leste ou na sala azul, assim que ele disse essas palavras, com um grupo de seus amigos particulares ao seu lado. Primeiramente houve um ligeiro movimento daquele grupo em direção à estranha figura que, no momento, estava perto também; mas ninguém pôde estender a mão para pegá-lo. Ele andava, sem ninguém detê-lo; passou pelo príncipe, da sala azul para a roxa, da roxa para a verde, da verde para a amarela, desta novamente para a laranja e ainda de lá para a sala branca, antes que nenhum movimento firme fosse feito para detê-lo. Então Príncipe Prospero, nervoso e envergonhado de seu próprio medo, correu rapidamente pelas seis salas, puxando sua espada ao passar. A figura havia chegado à parede do lado oeste da sétima sala, a negra, quando ela virou repentinamente em direção ao príncipe. Havia um grito agudo e a espada caiu no chão. Imediatamente após, Príncipe Prospero caiu morto. Então, com uma coragem provocada por um senso de impotência, uma multidão de lordes se jogou sobre o estranho, que ficou calado e parado à sombra do grande relógio negro. Eles tiraram a máscara da morte e as roupas de sangue – então recuaram, tremendo de medo. Não havia forma humana ou corpo para ser vistos. A máscara e as roupas estavam vazias.
E então eles sabiam que estavam na presença da Morte Vermelha. Ela havia chegado como um ladrão na noite. E um por um os dançarinos tombaram e morreram naqueles corredores de prazer. O relógio negro tocou uma vez, e parou. E as chamas das fogueiras se apagaram. E a Escuridão e Decadência e a Morte Vermelha reinaram completamente.


terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O enigma da existência em LAVOURA ARCAICA de Raduan Nassar

“Não tive o meu contento, o mundo não terá de mim a misericórdia” (Nassar, 1989, p.138)

A epígrafe acima citada ilustra, de forma redundante, o abandono da lavoura das palavras para a lavoura real, empreendimento realizado pelo mais festejado escritor paulista Raduan Nassar que afirmou: “não há criação artística ou literária que valha uma criação de galinhas” (apud Steen, 1982, p. 260)
Em Lavoura arcaica (obra consagrada e premiada pela crítica brasileira), a personagem André (‘eu’ em árabe), num radicalismo exacerbado, despede-se da literatura de forma colérica e frustrativa, vindo a realizar o desejo de Nassar, o desejo de silenciar por completo. Nassar “retornou à ordem natural dos animais que é mais silenciosa, mas também mais previsível” (apud Castello, 1999, p.175)
Construído a partir de fragmentos de textos diversos, de forma não sincrônica, o primeiro capítulo de nossa monografia intitulado “Raduan Nassar – homem comum pelas limitações”, tem o objetivo de mostrar a vida de um dos maiores escritores contemporâneos que se considera apenas ‘homem comum’, bem como sua obra e sua época.
O segundo capítulo com o título “Sartre – Camus: uma relação de oposição dentro do existencialismo” explana, de forma breve e em linhas gerais, o existencialismo, e ao mesmo tempo, apresenta as diferenças existentes entre esses dois grandes escritores e filósofos filiados a essa corrente filosófica.
O terceiro capítulo “A cólera, o niilismo e a metafísica: uma temática constante em Lavoura arcaica” traz a conceituação de cólera, niilismo e metafísica e apresenta uma análise temática da obra abordada, mostrando as marcas existenciais presentes no texto.
Primeiramente, propomos uma definição para o verbete enigma, definido e tratado em nossa pesquisa como ‘sentido’, portanto tentamos mostrar o sentido do existencialismo ali presente.
Em vários momentos da narrativa, a cólera representará a exacerbação da prática transgressora. Na iniciação sexual de André com a cabra Schuda, nota-se que o animal é tido pelo garoto como um objeto que precisa de cuidados eróticos: “eu a conduzi com cuidados de amante extremoso... era de seu corpo que passei a cuidar no entardecer” (Nassar, 1989, p. 20)
No fragmento “eu estava era escuro por dentro” (Nassar, 1989, p. 16), a escuridão é a mais concreta certeza do vazio, do nada, da descrença enfrentada pelo narrador-personagem André.
Os temas metafísicos apresentados simbolicamente resumem a questão da ordem familiar que consiste no amor, no trabalho e na aceitação do tempo: “a terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra); existe neste ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo” (Nassar, 1989, p. 183)
O desafio fundamental do nosso trabalho foi desvelar o texto literário citado, encontrando nele indicadores do pensamento existencialista, estabelecendo uma série de interrelações entre as idéias de Nassar e aquelas de Camus e Sartre (dois grandes escritores e filósofos filiados ao existencialismo).
Para Sartre, o absurdo é resultado de uma experiência interior, de angústia devido à condição humana que é humilhada, ao contrário de Camus, que vê a grandeza no homem. No homem que enfrenta o destino, que revolta, que protesta e que ainda cria os seus próprios valores. A criação de valores pela ação, o engajamento e a liberdade são marcas do existencialismo e de Camus. Esse homem camusiano que olha de frente (en-frenta) o mundo e que luta contra ele, criando os seus valores contra o absurdo, vindo a substituir o inumano pelo humano é André, o filho pródigo, a ovelha negra da família, o acometido, o tresmalhado de Lavoura arcaica – personagem das mais fortes da nossa literatura.
O absurdo é generalizado por Sartre, para Camus ele se encontra na relação homem-mundo, tornando-se ação e revolta. Seguindo os preceitos camusianos, André se revolta e deixa a família patriarcal. O vocábulo liberdade se aproxima da palavra sujeição, na visão de Sartre, entendida por Camus como libertação. Não se sujeitando ao discurso paterno, André busca a libertação proposta por Camus.
A corrente filosófica denominada existencialismo apregoa a ‘vivência existencial’ difícil de ser definida, ao passo que para Raduan Nassar a existência se apresenta como ‘leitura da vida’.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Acróstico é uma composição poética em que as letras iniciais dos versos formam verticalmente uma palavra ou frase, muitas vezes um nome próprio.
Os poetas populares usam esse recurso como forma de identificar suas produções, assegurar a autoria de seus versos que são divulgados em publicações expostas em cordéis, em espaços públicos, como feiras.

Posso dizer que cantei
Aquilo que observei
Tenho certeza que dei
Aprovada a relação
Tudo é tristeza e amargura
Indigência e desventura
Veja, leitor, quanto é dura
A seca no meu sertão (Patativa do Assaré. ABC do Nordeste flagelado. São Paulo: Hedra,2001).
CECÍLIA MEIRELES – UMA INTELECTUAL “SUI GENERIS”

A poetisa Cecília Meireles foi lembrada por muitos como uma mulher distante e reservada. Dona de uma composição poética altamente feminina, chegou a transformar a vida em canto.
Segundo a escritora Lygia Fagundes Telles “ela era muito elegante , olhos verdes e um sorriso aberto, mas ao mesmo tempo, parecia inatingível e sempre olhava as pessoas como se estivesse se despedindo”. (Veja, 1998, p.144).
Nasceu no Rio em 07 de novembro de 1901 e aos 3 anos de idade conheceu a orfandade, vindo a morar com a avó materna.
Foi poetisa, professora (primária e universitária–Literatura Brasileira e Teoria), pedagoga e jornalista, passando horas e horas, em sua biblioteca, escrevendo, e só recentemente é que descobrimos a dimensão total do seu trabalho literário – textos em prosa, crônicas, reflexões sobre educação e ensaios sobre literatura.
Sua poesia lírica é altamente personalista, simples na forma, mas contendo imagens e simbolismos complexos, o que lhe rendeu importante posição na Literatura Brasileira do século XX.
A organização da prosa ceciliana foi entregue ao professor da Universidade Federal do Rio, Leodegário de Azevedo Filho que dividiu a obra em núcleos temáticos. Em suas crônicas, Cecília se mostrou capaz de falar de inúmeros assuntos e com muita desenvoltura, tornando-se reconhecida como uma intelectual “sui generis”.
A escritora confidenciou que “os livros eram um burburinho, um conjunto de vozes, que sempre lhe diziam coisas encantadoras, maravilhosas”. (Programa minas um livro aberto, 1999).
Para Letícia Mallard, escritora e professora da UFMG “ o binômio solidão e silêncio marcam a obra ceciliana, bem como, a transitoriedade da vida, do tempo, devido a sua sensibilidade causada pela orfandade”. (Programa Minas um livro aberto, 1999).
Em 1919 Cecília estréia na poesia com “Espectros” – conjunto de sonetos simbolistas, decadentistas, baseado numa composição poética nada modernista. Seus temas giravam em torno do sofrimento, da dor, da natureza que está agindo intaticamente com a alma, o sentimento, misticismo, a religiosidade, etc. Outra linha da sua poesia foi intitulada “poesia enquanto música” pois explorou a sonoridade das palavras e dos versos; foi também musicista, chegando a compor música para crianças e adultos.
Nessa primeira fase (Espectros), Cecília está bem próxima do grupo da revista FESTA que tinha o propósito de renovar a poesia, sem romper com a tradição, sendo considerados pelo grupo de Oswald de Andrade como passadistas. Ela acreditava que era marginalizada por ser mulher e ainda recorda, que Oswald “tinha uma ponta de preconceito com relação às escritoras”. (Veja, 1998, p.145).

Silviano Santiago (crítico literário) comentou que:
“há um time de mulheres notáveis
esperando lembrança, como Hen-
riqueta Lisboa, Adalgisa Neri ou
a escritora comunista Eneida, e que
a literatura feminina só estourou na
década de 70 e 80, colocando auto-
ras como Clarice Lispector, Rachel
de Queiroz e Lígia Fagundes Telles
na linha de frente.” (Veja, 1998, p.145).

“A passagem de Cecília pela revista Festa foi um meio legítimo para que ela chegasse ao pleno domínio da linguagem e fizesse uma poesia desvinculada de qualquer tradição”, comenta Azevedo Filho. (Veja, 1998, p. 145).
Com o livro “Viagem” de 1939, a escritora recebeu o prêmio de poesia pela Academia Brasileira de Letras. Nesse livro, a poetisa cristaliza seu estilo contido, sugestivo, rico de musicalidade, oscilando entre a melancolia e a ironia.
Quando um personagem chamava sua atenção, Cecília dizia ter “o vício de gostar de gente”, então, passava a trabalhar como ficcionista para descrevê-lo. Também percorreu inúmeros países, dizia não ser turista e sim viajante pelo desejo de “morar em cada coisa e descrever à origem de tudo”. (Veja, 1998, p.145).
Foi considerada por muitos escritores e críticos como fazedora do primeiro time de cronistas brasileiros, ao lado de Rubem Braga ou Paulo Mendes Campos.
Leu, traduziu e apresentou ao país vários poetas orientais como o indiano Tagore, o chinês Li Po e o japonês Bashô, e introduziu no Brasil poetas portugueses, dentre eles, Fernando Pessoa.
Escreveu textos folclóricos e de crítica de arte, como ensaios sobre inúmeros pintores – Portinari, Rembrandt, Van Gogh e Torres-Garcia.
No texto “Despedida de Portinari”, ela retrata de modo pouco lisonjeiro personalidades importantes, como José Lins do Rego e Marques Rebelo, chamados por ela de “HIPÓCRITAS” porque a cumprimentavam em festas e falavam mal dela pelas costas.
Como educadora escreveu inúmeros textos opinativos sobre o seu tempo, chegando a comprar brigas, pois assinava diariamente para os jornais Diário de Notícias e A Manhã.
Em 1932, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que promulgava a ideia de que a educação deveria deixar de ser religiosa, com isso irritou a Igreja e intelectuais católicos.
Com o “Romanceiro da Inconfidência” de 1953, a poetisa retoma uma forma poética de tradição ibérica dos romances populares, para constituir o episódio da Inconfidência Mineira. Encontra-se em suas páginas a mineração, as rivalidades e contendas, os impostos cobrados pela Coroa, a conscientização de alguns intelectuais e os ideais de liberdade. Ela afirmou tratar-se de “uma história feita de coisas eternas: ouro, amor, liberdade e traição”. ( Programa minas um livro aberto, 1999).
Para Ivete Walty, também da UFMG, “as poesias para crianças escritas por Cecília, não eram poesias para educar, mas sim, para sensibilizar”. (Programa minas um livro aberto, 1999).
Os aspectos mais importantes dos poemas cecilianos, segundo Sérgio Peixoto da UFMG consiste “na extrema musicalidade do verso. A sua poesia é metafórica tendendo para o símbolo. O símbolo como aquela coisa capaz de traduzir o mistério que há no mundo, uma visão esotérica quase que do mundo numa linguagem simbólica, melodiosa, tentando atingir o inefável. Sua poesia é atemporal por falar de modo bastante pessoal das principais coisas em relação ao homem e ao ser deste homem no mundo. A morte de que Cecília fala em seus poemas é a consciência clara da transitoriedade da vida”. [ grifos meus]. (Programa minas um livro aberto, 1999).
A grande poetisa viveu sobre a influência do modernismo, mas não se filiou a nenhum estilo de época; partiu em 1964, deixando-nos um grande legado:
“Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a
voltar sempre inteira
Poesia: arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados. Composição poética de pouca extensão. Gênero poético.
No tocante ao conteúdo, a poesia é uma maneira que o poeta encontra para projetar o mundo e suas coisas de acordo com uma visão pessoal, inteiramente particular. Nessas condições, a realidade exterior, quando aparece no poema, não precisa, necessariamente, de se apresentar tal qual ela se mostra aos olhos de todas as pessoas. Isto significa que o poeta ( o eu) apreende uma determinada realidade que existe no mundo que o cerca (o não-eu), retorna com ela para dentro de si, ou seja, interioriza-a para em seguida projetá-la de acordo com a sua visão, a sua maneira pessoal e particular de encará-la. Desse modo, tudo aquilo que existe no mundo pode se singularizar de acordo com uma óptica subjetiva, para assumir características próprias dessa visão pessoal.
No que diz respeito à linguagem, a poesia oferece uma certa ambigüidade, já que ela nunca diz as coisas diretamente mas, ao contrário, procura sugeri-las, usando de figuras e símbolos.

Quadrilha
Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história.




Soneto é uma composição poética de forma fixa: apresenta dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos). Geralmente, os versos dos sonetos possuem rima e o mesmo número de sílabas. Por isso, esse tipo de composição poética apresenta muita musicalidade.

Chave de ouro é o encerramento de um soneto cujo último verso resume e engrandece a mensagem do poema:
“Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?””

Soneto de Natal
Machado de Assis

Um homem, - era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações de sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Crônica: narra de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e no cotidiano; é geralmente um texto narrativo curto e leve, escrito com o objetivo de divertir o leitor e ou levá-lo a refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos; o narrador pode ser do tipo observador ou personagem; apresenta geralmente a variedade padrão informal, em linguagem simples e direta, próxima do leitor.
O Valente
Chegou na cidadezinha de Pedras Altas numa chuva antiga. Em boa sela e melhor estribo veio ele. Falava pelo canto da boca – do outro lado a brasa do seu charuto espiava o mundo. No Hotel Chic, tirando uma pesada e alentada garrucha, deu nome e patente:
__ Sou o Capitão Quirino Dias.
Mandou que arrumassem o seu baú de viagem dentro do maior cuidado:
__ É tudo munição, coisa de muita responsabilidade.
A cidadezinha de Pedras Altas viu logo que estava diante de um pistoleiro de marca. E isso ganhou raiz quando um tropeiro, indo ao Hotel Chic levar encomenda de boca, espalhou que o sujeitão do charuto era um perseguido da Justiça, que matava pelo gosto de ver de que lado o cristão caía:
__Vou simbora, que esse capitão é o capeta.
E foi. Atrás da poeira do tropeiro a fama de Quirino Dias cresceu. No Hotel Chic o melhor prato era para seu dente, o melhor doce era para sua língua. De tarde, em cadeira de palhinha, o capitão montava a sua pessoa na porta da rua. Pedras Altas passava por ele de cabeça baixa, acanhada, fazendo questão de salvar o pistoleiro. E no dia em que bebeu cachaça, com pólvora, na vista de todo o Hotel Chic, então não teve mais tamanho a sua fama. Bebeu e disse:
__ Tenho trabalho longe. Só volto na semana entrante.
No quarto, remexeu o baú, limpou a garrucha e sumiu nas patas de seu brasino. O povo comentou:
__ É viagem de tocaia.
Foi e voltou dentro do tempo estipulado. De novo montou seu charuto na porta do Hotel Chic. Com o rolar dos dias, o capitão ficou mais exigente. Uma tarde, como não apreciasse o canto choco de certo galo-capão, foi ao quarto, mexeu no baú e despojou dois tiros no infeliz. Fez o mesmo com um bem-te-vi que gozava as suas tardes fagueiras em galho de jaqueira. Desde essa precisa hora em diante, toda vez que o capitão ameaçava recorrer ao baú, Pedras Altas tremia:
__ Capitão, não faça isso, capitão, tenha dó.
A bem dizer, a cidadezinha era dele. Seus pedidos de dinheiro corriam nas pernas dos moleques de leva-e-traz. E era quem mais queria municiar o capitão, no medo de que fosse ao baú.
Ele mesmo dizia pelo canto desocupado da boca:
__ Não abro aquela peça sem ganho.
Aconteceu, então, o caso da onça. A notícia veio ligeira e ligeira parou no Hotel Chic. A pintada fazia e acontecia, comia bezerro com casco e tudo. O recadeiro mediu o tamanhão da bichona:
__ É de porte alentado, para mais de duzentas arrobas.
Pedras Altas riu da onça, da desgraça da onça. Tanto pasto para vadiar e logo veio a pobre tirar carta de brabeza! Em Pedras Altas do Capitão Quirino Dias! Pepito Rosa, dono de um comercinho de cachaça, riu da pouca sorte de onça:
__ Vai ser azarada assim na casa dos capetas.
Uma embaixada de coronéis, com todos os seus pertences, na mesma tarde foi pedir a Quirino Dias providências contra a onça. Logo na abertura da conversa, o capitão arregalou os olhos e gritou:
__ Onça? Está dando onça em Pedras Altas? Socorro! Quero lá saber disso!
E a cidade inteira viu assombrada, de queixo caído, o pistoleiro sumir de ladrão, fugindo nos cascos de seu cavalo. Nem teve tempo de levar o baú, uma peça de folha onde o capitão guardava suas bugigangas – pentes, rendinhas, frascos de cheiro, alfinetes e águas de moça. Quirino dias era caixeiro-viajante. (José Cândido de Carvalho)
Vocabulário:
Patente: o que se patenteia, que é evidente. Documento de concessão de um título, posto ou privilégio; esse posto ou privilégio.
Tropeiro: condutor de tropas de animais, condutor de bestas de carga.
Entrante: que entra, que está para começar: mês entrante.
Brasino: da cor da brasa.
Recadeiro: diz-se daquele que vai a recados, ou que faz recados.
Municiar: prover de munições.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



Fábula: narração breve, de caráter alegórico, em verso ou em prosa, destinada a ilustrar um preceito.
Nas fábulas, narrativas em que os personagens geralmente são animais, encontramos uma mensagem sobre o comportamento humano.

Diamantes e lagartos

Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas. A maior era muito antipática e orgulhosa. A mais nova era boa e generosa. A mãe sentia uma enorme antipatia pela menor, e a fazia trabalhar o tempo todo.
Entre outras coisas, a garota devia recolher água em um bosque distante. Um dia, quando a menina chegou ao lago, uma mulher muito pobre pediu um gole d’água.
_Claro, de todo o coração, senhora – disse a garota.
_Você é tão bondosa e amável que eu vou te dar um presente. Foi nessa hora que a menina descobriu que a senhora era uma fada que havia tomado a forma de uma pobre camponesa para ver como a garota a tratava.
_A cada palavra que disseres, uma flor ou uma jóia cairá da tua boca.
Quando a menina chegou em casa, a mãe se surpreendeu ao ver saltarem de sua boca duas rosas e dois lindos diamantes.
_O que vejo? Flores e jóias caem da boca desta menina!
A garota contou o que aconteceu. E a mãe ordenou para a mais velha:
_Leve esta jarra ao lago. Se uma mulher pobre te pedir um gole, dê.
_Não vou pegar água! Esta idiota pode me dar suas jóias.
A mãe insistiu e, de cara fechada, a menina foi ao bosque. Assim que chegou ao lago, uma bela dama pediu-lhe um pouco d’água. Era a mesma mulher que havia encontrado sua irmã, mas com outros trajes.
_Não vim aqui para te dar água. Vá pegar lá no lago – disse a menina, malcriada como sempre.
_Você não é muito gentil – respondeu a moça. _Como é tão rude e grosseira, te darei esse dom: a cada palavra que disseres, saltarão cobras e lagartos da tua boca.
Quando a filha voltou para casa, a mãe perguntou:
_Querida, viste a fada?
_Sim, mamãe – respondeu a garota.
Duas cobras e dois lagartos logo saltaram.
_O que é isso? – exclamou a mãe. _ O que você fez? A menina tentou responder, mas a cada palavra outras cobras e lagartos surgiam. E assim foi para sempre. Jóias e flores caíam dos lábios da filha menor, que era bondosa e solidária. Já a filha maior nunca mais pôde falar sem que houvesse uma chuva de cobras e lagartos. (Adaptado de fábula de Charles Perrault)

Solidariedade

Solidariedade

É o sentimento que faz alguém se sentir responsável por sua família, sua comunidade, seu país e a própria humanidade. E se dispor a diminuir o sofrimento dos outros. Uma pessoa que doa sangue, empresta agasalho a quem sente frio, ensina aos outros o que sabe mais que eles é solidária. Um país também pode ser solidário, enviando comida e remédios a países que precisam, e intermediando a paz, por exemplo.
A palavra vem do radical latino solid: sólido, firme, resistente. É comumente associada a união e fraternidade.

Frases:

“A salvação do ser humano está exatamente nos outros. A gente não pode sobreviver, a não ser no coletivo”. (Henfil, cartunista brasileiro)

“Nada é maior do que a solidariedade, e por ela a gente não agradece, se alegra”. (Betinho, sociólogo brasileiro)

“A generosidade consiste em dar antes de ser solicitado”. (Provérbio árabe)

“A paz tem que nascer de um coração que saiba perdoar, receber o outro assim como ele é e socorrê-lo naquilo de que ele precisa”. (Dom Paulo Evaristo Arns, religioso brasileiro)

“Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade”. (Raul Seixas, cantor e compositor brasileiro)

“Não existe verdadeira inteligência sem bondade”. (Ludwig van Beethoven, compositor alemão)
“Sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas, sem ele, o oceano seria ainda menor”. (Madre Teresa de Calcutá, religiosa iugoslava)

Respeito

Respeito
É o sentimento que leva as pessoas a dar atenção às outras, a ter consideração, admiração. Significa também homenagem: “Diga-lhes que enviei meus respeitos”. Vem do latim respectu, “ato de olhar para trás”: o passado de uma pessoa engrandece o respeito que se tem por ela.
Respeitar os mais velhos é ouvir o que eles têm a dizer e compartilhar a sabedoria que eles adquiriram durante a vida. Vale não só para as pessoas. A pessoa respeitadora cuida de casa, da escola, da cidade, da natureza. Na história, há muita gente que lutou pelo respeito: aos índios, aos negros, às mulheres. Quem respeita, respeita também as diferenças entre as pessoas e defende que todos recebam tratamento igual, independentemente de raça, religião e condição social.
Frases:
“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea” (Nélson Rodrigues, escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro).
“É assim que desempenhamos nosso ser social: pelo respeito às tradições, pelo respeito ao saber do outro e pelo exercício do pertencimento a uma teia que nos une ao infinito”. (Daniel Munduruku, escritor brasileiro de origem indígena)
“Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante”. (Albert Schweitzer, filósofo, médico, músico, clérigo e teólogo alemão)
“A perfeição da própria conduta consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia”. (Voltaire, escritor e filósofo francês)
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. (Antoine de Saint-Exupéry, escritor e aviador francês)
“O meu próximo, para mim, é como eu mesmo”. (Terêncio, poeta latino)

Justiça



Justiça.
É dar a cada um o que é seu. Ainda dizemos: “ele fez jus à homenagem”, ou seja, merecia-a por alguma coisa que tinha feito antes.
A palavra vem dos termos latinos jus, juris – “direito, justiça” – e justitia: eqüidade, exatidão do peso. Por isso, um de seus símbolos é uma balança de dois pratos equilibrada. O outro é uma mulher de olhos vendados, porque ela não vê quem está do outro lado: é igual para todos.
A justiça está em ações grandes e pequenas: de lutar pela liberdade de um povo a dar ao aluno uma nota que corresponda de verdade a seu desempenho.

Frases:

“Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”. (Nicolas Boileau, escritor francês)

“Seja justo no momento preciso. Toda justiça que tarda é injustiça”. (Marcel Schwob, escritor francês)

“Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha”. (Mahatma Gandhi, filósofo e pacifista indiano)

“Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça”. (Fernando I, rei da Hungria)

“De que valem leis, onde falta nos homens o sentimento da justiça?”. (Rui Barbosa, jurista brasileiro)

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. (Martin Luther King Jr., líder da luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos)

“Nada se impõe aos homens como a afirmação de um sentimento justo”. (Eça de Queiroz, escritor português)

Honestidade
È a característica do homem correto, digno, decente. Quem é honesto não tira vantagens sobre outros, não mente. Não aceita receber uma coisa que não merece: seja o elogio por uma idéia que não foi sua, ou o dinheiro que tenha recebido a mais de troco. Fala e defende a verdade apesar dos riscos e conseqüências que ela pode trazer. E conquista a confiança de todos.
A palavra vem de honor: honra, em latim. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, honra é um princípio ético que faz com que aqueles que o seguem gozem de bom conceito junto à sociedade.

Frases:

“Para o homem honesto uma boa reputação é a melhor herança” (Publilus Syrus, escritor latino)

“Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto” (Mahatma Gandhi, filósofo e patriota indiano)

“A verdade alivia mais do que machuca. E estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água” ( Miguel de Cervantes, escritor espanhol)

“Quem perde a honestidade não tem mais nada que perder” (John Lyly, escritor inglês)

“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (Paulo Freire, educador brasileiro)

“É melhor merecer as honras sem recebê-las do que recebe-las sem merecê-las” (Mark Twain, escritor norte-americano)

“Não há legado mais rico que a honestidade” (William Shakespeare, poeta e dramaturgo inglês)

Amizade

Amizade
Vem do latim amicitia: “afeição, simpatia, aliança, pacto”. É um laço que se estabelece com o outro que é ao mesmo tempo compromisso e sentimento. É vontade de estar junto, de compartilhar e de ouvir. De dar e receber afeto. Ser companheiro. Querer para o outro tantas coisas boas quanto quer para si. E dividir os bons e os maus momentos. Costumamos falar em “ombro amigo” quando buscamos um acolhimento, porque a amizade é a camaradagem de todo dia, mas é também a certeza de um porto seguro, de uma pessoa com quem sempre se poderá contar.

Frases:

“Um irmão pode não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão” (Benjamin Franklin, político e inventor norte-americano)

“Amigo é quem te socorre, não quem tem pena de ti” (Thomas Fuller, escritor inglês)

“Se os meus amigos fugirem de mim, fugirão todos os tesouros” (Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa, escritor e professor brasileiro)

“Amigo verdadeiro é aquele que nos quer apesar de nada” (Luís Felipe Angell, o Sofocleto, humorista peruano)

”Por mais raro que seja, ou mais antigo, só um vinho é deveras excelente: aquele que tu bebes calmamente com o teu mais velho e silencioso amigo” (Mário Quintana, poeta brasileiro)

“O acaso nos dá parentes, mas a escolha nos dá amigos” (Júlio Dinis, escritor português)

“A gente não faz amigos, reconhece-os” (Vinícius de Moraes, poeta e compositor brasileiro)




terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Padre Antônio Vieira

Pe. Antônio Vieira

- nasceu em Lisboa, em 1608.
- morreu em 1697, na Bahia.
- é a mais alta personalidade humana e cultural dessa época – Barroco Português.
- possuía um senso improvisador.
- esteve sempre empenhado em aplicar seu ideário de Justiça e Fraternidade entre os homens.

Obras: Sermões (1679-1748) – l5 volumes.
Cartas (1925-26-28) 3 volumes
Arte de Furtar
Quinto Império
História do Futuro (1718)
Clavis Prophetarum (obra inédita e perdida).

Características:

- apresenta uma linha dilemática, contraditória, com antíteses e oposições, instável no esforço de orientar e persuadir.
- preocupação em anular a dicotomia radical existente no ser humano, formado de corpo e alma. (unificar corpo e alma).
- não era gongórico e sim dialético conceptista e insurgia contra os excessos gongóricos.
- para despertar a consciência dos leitores usava de analogias e metáforas.
- apresenta ambiguidades, sentidos ocultos, mistérios – ingredientes sobrenaturais para descortinar paradoxos.
- rigor na lógica do pensamento (começo, meio e fim).
- apresentação dos Sermões através de parábolas.
- linguagem direta e insinuante. (Inventava as histórias de acordo com os problemas do povo – SERMÕES ENGAJADOS – de preocupação social).
- silogismos.

A estrutura dos Sermões segue o plano tradicional, concebido pela Retórica, desdobrando-se em cinco passos:

a- tema: evocação de uma passagem bíblica, que sustente a tese do discurso;
b- intróito: exposição do plano geral do sermão;
c- invocação: pedido de inspiração, geralmente feito à Nossa Senhora;
d- argumentação: corpo do texto, desenvolvido conforme o plano previamente concebido. O suporte teórico vem de exemplos extraídos da Bíblia, das encíclicas papais e dos textos elaborados pelos doutores da igreja.
e- peroração: conclusão, momento de reafirmação das verdades morais expostas no sermão.

Temas abordados por Vieira: temas profanos, voltando suas preocupações para o debate de problemas político-sociais. Focalizou os costumes, a economia, a guerra, a política, a literatura, etc. Criticou a acumulação e a péssima distribuição dos cargos públicos, o que gerava enorme ônus aos cofres do Estado.Censurava igualmente a exploração dos pequenos pelos poderosos, não deixando de lamentar o estado de abandono da agricultura, por força dos pesados impostos cobrados dos camponeses.

Sermão da Sexagésima

- extraído de uma passagem bíblica: “A semente é a palavra de Deus” (S.Lucas VIII, 2).
- apresenta uma parábola para explicar o mundo e as atitudes do ser humano (no sentido de explicar sobre a matéria e o espírito).
- no Sermão da Sexagésima, o orador atinge os fiéis de modo direto e insinuante.
- apresenta na 1ª premissa = introdução quando fala dos três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus.
- apresenta na 2ª premissa = uma parábola na qual narra toda uma passagem bíblica (prós e contras).
- no epílogo – ele fala que o homem não deve sair dali contente e feliz com o que ouvira, mas triste por causa de seus maus costumes, de suas vidas pecaminosas, suas ambições, enfim os seus pecados.

Trechos do Sermão:

“Fazer pouco fruto...parte de Deus” – conceptismo.
“olhos, espelho e luz” – usa metáforas para mostrar o conteúdo de pensamento.
“Deus está pronto de sua parte” – poder de Deus (teocentrismo).
“Lançadas nos espinhos não frutificou, mas nasceu até nos espinhos” – metáfora, analogias ou correspondência de idéias.
Com os Sermões Padre Vieira queria atingir o povo para convertê-los.

Resumo: "´Macunaíma" de Mário de Andrade

“Macunaíma” (Mário de Andrade)

-publicado em 1928, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira. Revolucionária, desafiou o sistema cultural vigente com uma nova organização da linguagem literária.
- o livro é dividido em 17 capítulos e um epílogo. Tem como subtítulo “o herói sem nenhum caráter” e, curiosamente, não é classificado como romance, conto, novela, mas trata-se, segundo o autor, de uma rapsódia, uma epopéia às avessas, uma epopéia modernista.
- para Mário, a rapsódia é uma combinação de temas heterogêneos, assuntos variados, gêneros diversos e estilos diferenciados.
- ainda, com referência ao gênero literário, a obra aproxima-se da epopéia clássica, tendo em comum o traçado das aventuras de um herói sobre-humano, que reverte a realidade em prol do maravilhoso, fato que deve ser entendido como uma aproximação dos mitos e deuses pagãos para que eles intervenham na natureza da narrativa literária. Em Macunaíma, os seres do imaginário indígena afloram e intervêm na narrativa, mas, como não são entidades absolutas, podem ser trapaceadas, enganadas, boicotadas pelo herói.
- nacionalista crítica, porém sem ser xenófoba, Macunaíma é a obra que melhor sintetiza as propostas do movimento da Antropofagia, criado em 1928 por Oswald de Andrade com o objetivo de igualar a cultura brasileira às demais.
- Mário de Andrade e o Modernismo –
Foi a Semana de 22, com seus desdobramentos, que projetou Mário de Andrade como figura-chave do movimento modernista. Com determinação própria dos líderes que visam implantar uma nova consciência, ele multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural, além de ter ocupado cargos na burocracia estatal, ligados ao desenvolvimento da cultura em geral.
- A rapsódia –
Mário conta que escreveu Macunaíma em apenas seis dias, deitado, bem à maneira de seu herói, numa rede na Chácara de Sapucaia, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo, durante umas férias. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever... Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro”.
- Macunaíma é fruto de anos de pesquisa das lendas e dos mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular de várias regiões do Brasil. Trata-se de uma rapsódia. Este termo foi utilizado pelos gregos para designar obras como a Ilíada ou a Odisséia, de Homero, contendo séculos de narrativas poéticas orais, e resumindo as tradições folclóricas de todo um povo.

- Criando mitos –
Além de descrever vários mitos,Mário de Andrade também inventa outros, de maneira irônica. Apresenta os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa do autor, muita invenção.


- o Brasil na época de Macunaíma –
Quando Macunaíma surgiu, no final da década de 1920, a sociedade brasileira se mostrava bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos por quatro séculos. O número de fábricas, especialmente em São Paulo, havia crescido, além dos grandes aglomerados urbanos, com população equivalente a 1 milhão de habitantes.Comércio e indústria prosperavam rapidamente, puxados pelo mercado consumidor formado por moradores das cidades e por colonos de origem estrangeira. Na esteira dessas alterações, as mulheres também mudavam seu comportamento: fumavam, iam sozinhas ao cinema e usavam roupas que deixavam as pernas mais à mostra.

- Cenário político –
Além da Semana de Arte Moderna de 1922, a década de 1920 foi marcada pelo surgimento do Partido Comunista e do movimento tenentista, que se opunham ao governo federal, oposição que teve seu clímax com a criação, por revolucionários paulistas, da Coluna Prestes – movimento que percorria 33 mil quilômetros do interior do Brasil, se envolvendo em mais de 100 combates entre 1924 e 1927.

- As fontes –
Mário de Andrade nunca escondeu que se inspirou na obra Vom Roroima zum Orinoco – Do Roraima ao Orenoco -, do etnógrafo naturalista alemão Theodor Koch-Grünberg, publicada em cinco volumes entre 1916 e 1924. Graças ao trabalho de Ivan Cavalcanti Proença, Roteiro de Macunaíma, é possível acompanhar como Mário de Andrade foi reelaborando as narrativas colhidas na obra de Koch-Grünberg, mesclando-a a outras fontes, como livros de Capistrano de Abreu, Couto Magalhães, Pereira da Costa ou mesmo a relatos orais, como o que o compositor Pixinguinha lhe fez de uma cerimônia de macumba, para ir tecendo sua rapsódia.

- Personagem ambíguo –
Nas palavras do poeta-crítico Haroldo de Campos, “o próprio Koch-Grünberg, em sua ‘Introdução ao volume’, ressalta a ambigüidade do herói, dotado de poderes de criação e transformação, nutridor por excelência, ao mesmo tempo, todavia, malicioso e pérfido”.
Segundo o etnógrafo alemão, o nome do herói tribal parece conter como parte essencial a palavra MAKU, que significa “mau” e o sufixo IMA, “grande”. Assim, Macunaíma significaria “O grande mau”, um nome , segundo observa Grünberg, “que calha perfeitamente com o caráter intrigante e funesto do herói”.

- Foco narrativo -
Embora predomine a fala da terceira pessoa, Mário de Andrade inova nesta obra ao utilizar uma técnica cinematográfica, a de cortes bruscos no discurso do narrador para dar lugar à fala dos personagens, especialmente de Macunaíma. A técnica imprime velocidade, simultaneidade e continuidade à narrativa. Exemplo: “Lá chegando ajuntou os vizinhos, criados a patroa cunhãs datilógrafos estudantes empregados-públicos, muitos empregados-públicos! Todos esses vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do Arouche e matara dois...
- ... mateiros, não eram viados mateiros, não, dois viados catingueiros que comi com os manos. Até vinha trazendo um naco pra vocês mas porém escorreguei na esquina, caí derrubei o embrulho e cachorro comeu tudo”. (CAP. XI – A Velha Ceiuci).

- Espaço e Tempo -
As estripulias sucessivas de Macunaíma são vividas num espaço mágico, próprio da atmosfera fantástica e maravilhosa em que se desenvolve a narrativa. Em seu Roteiro de Macunaíma, Cavalcanti Proença afirma que Macunaíma se aproxima da epopéia medieval, pois “tem de comum com aqueles heróis a sobre-humanidade e o maravilhoso”.
Ainda segundo Cavalcanti Proença, “Macunaíma está fora do espaço e do tempo. Por esse motivo pode realizar aquelas fugas espetaculares e assombrosas em que, da capital de São Paulo foge para a Ponta do Calabouço, no Rio, e logo já está em Guarajá-Mirim, nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas para, em seguida, chupar manga-jasmim em Itamaracá de Pernambuco, tomar leite de vaca zebu em Barbacena, Minas Gerais, decifrar litóglifos na Serra do Espírito Santo e finalmente se esconder no oco de um formigueiro, na Ilha do Bananal, em Goiás”.
Macunaíma é um personagem outsider, enquanto marginal, anti-herói, fora-da-lei, na medida em que se contrapõe a uma sociedade moderna, organizada num sistema racional, frio e tecnológico.
Assim, o tempo é totalmente subvertido na narrativa.
O herói do presente entra em contato com figuras do passado, estabelecendo-se um curioso” diálogo com os mortos”. Macunaíma fala com João Ramalho (século XVI), com os holandeses (século XVII), com o pintor francês naturalista Hercule Florence (século XIX) e com Delmiro Gouveia (século XIX) – pioneiro da usina hidrelétrica de Paulo Afonso e industrial nordestino que criou a primeira fábrica nacional de linhas de costura.

- Enumerações e desregionalização -
O leitor mais atento de Macunaíma perceberá a abundância de enumerações na obra. Já na primeira página da obra encontrará a enumeração das danças tribais: “...freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cacuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.”
Essas enumerações mostram o trabalho de pesquisa de Mário de Andrade, freqüentemente misturando elementos de várias regiões do país, que com isso pretende desregionalizar sua obra, procurando “conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea – um conceito étnico nacional e geográfico”.
A grande estudiosa da obra de Mário Telê Porto Ancona Lopez resume bem o problema: “Mário de Andrade realizava em suas leituras pesquisa de palavras, termos e expressões características dos diversos recantos do Brasil. Grifava e recolhia. Depois os empregava, nos conjuntos os mais heterogêneos, procurando anular as especificações do regional, e dar uma visão geral de Brasil... É, pois, graças à coleta de palavras que Mário de Andrade desenvolve a idéia de que Macunaíma pode apresentar tão freqüentes enumerações de aves, peixes, insetos ou frutas. Essas enumerações, além de válidas para a quebra do regionalismo, contribuem para a criação de ritmo de embolada, alternando sílabas longas e breves, no trecho em que se inserem. Ritmo procurado, aliás, porque o autor não usa vírgulas.”

- A carta pras Icamiabas –
Precisamente no meio da narrativa, no capítulo IX da obra, encontramos um “Intermezzo”, como o chamava o autor. Trata-se da “Carta pras Icamiabas”, sátira feroz ao beletrismo parnasiano da época.
Macunaíma escreve a suas súditas para descrever-lhes a cidade de São Paulo construída sobre sete colinas, à feição tradicional de Roma, a cidade cesárea, “capita” da latinidade de que provimos.
Com isso Mário de Andrade vai na contramão dos relatos dos cronistas quinhentistas, como Pero Vaz de Caminha, Gabriel Soares de Sousa e Pero de Magalhães Gandavo. Em Macunaíma, é o índio que descreve a terra desconhecida para seus pares distantes. Sem caráter, Macunaíma faz esse relato tomando emprestada a linguagem rebuscada de um Rui Barbosa ou de um Coelho Neto. A paródia torna-se hilariante por conta dos erros grosseiros cometidos pelo falso erudito Macunaíma, que escreve asneiras do tipo “testículos da Bíblia” por “versículos” ou “ciência fescenina” por “feminina”.

Em 1928, publica a rapsódia Macunaíma, uma das obras-primas da literatura brasileira. A história do “herói sem nenhum caráter” é composta da reunião de lendas e mitos indígenas. Ao criar um personagem que vem da mata para a cidade de São Paulo, Mário de Andrade inverte os relatos dos cronistas quinhentistas.

Com um estilo que tenta ser pomposo, Macunaíma enuncia, na “Carta pras Icamiabas”, o slogan que irá adotar para definir os problemas do Brasil: “tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes! Em breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte!... Por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um DÍSTICO, em que se encerram os segredos de tanta desgraça: ‘Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são.’ Este dístico é que houvemos por bem escrevermos no livro de Visitantes Ilustres do Instituto Butantã, quando foi da nossa visita a esse estabelecimento famoso da Europa.”
O slogan recupera o conhecido poema de Gregório de Matos (1636-1695), no qual o poeta satírico baiano enumera as vilezas do país, terminando cada estrofe com o irônico refrão: “Milagres do Brasil são”. Remete, também, à frase do cronista Saint-Hilaire: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.

Macarronada antropofágica: brincadeira em torno da Antropofagia, importante movimento modernista concebido por Oswald de Andrade, e cuja linha mestra de pensamento consistia na “deglutição” das demais culturas do mundo pela cultura brasileira. Seria o Brasil, em termos antropofágicos, exatamente o que é a estrutura de Macunaíma em termos literários: a grande mistura, a grande miscelânea, de tudo.


Resumo: “Macunaíma” – o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade
Macunaíma, o mais importante anti-herói de nossa literatura, é chamado todo o tempo de “herói”. Nasceu em plena floresta Amazônica. Perde Ci, a mãe do mato, e a pedra muiraquitã por ela deixada, que cai nas mãos do gigante Piaimã, ou Venceslau Pietro Pietra. O herói parte então para São Paulo ma companhia dos irmãos, Maanape e Jiquê, para retomar a pedra. A caminho, lavam-se em águas mágicas e, todos “pretos retintos, transformam-se: Macunaíma fica branco, louro de olhos azuis”, Jiquê fica da “cor do bronze novo” e Maanape continua negro, mas com a palma das mãos e a planta dos pés rosados. Essa passagem remete à lenda indígena da formação das três raças.
Em São Paulo, Macunaíma, depois de passar por várias peripécias, consegue encontrar e derrotar o gigante, reaver a pedra e voltar para a floresta. Lá, é perseguido pelo minhocão Oibe e, enganado pela Uiara, perde novamente a pedra. Cansado, ferido, sem uma perna, sozinho, pois tinha perdido os irmãos, o herói resolve abandonar este mundo e se transformar na constelação Ursa Maior.
Como um mito de libertação do inconsciente coletivo, Macunaíma é uma personagem que se metamorfoseia de acordo com as necessidades e circunstâncias, sem apresentar um caráter definido. Ele pode também simbolizar uma síntese da cultura e da mentalidade brasileiras, que não têm uma linha precisa de resistência, sendo uma mescla de influências.

Muiraquitã: dá poderes sobrenaturais para Macunaíma, simboliza o encontro consigo mesmo, ao encontrá-lo, ele retorna para casa. A iniciação se dá através do muiraquitã (talismã) que proporciona uma viagem de si mesmo. (Busca da identidade)
Boa leitura!