terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O enigma da existência em LAVOURA ARCAICA de Raduan Nassar

“Não tive o meu contento, o mundo não terá de mim a misericórdia” (Nassar, 1989, p.138)

A epígrafe acima citada ilustra, de forma redundante, o abandono da lavoura das palavras para a lavoura real, empreendimento realizado pelo mais festejado escritor paulista Raduan Nassar que afirmou: “não há criação artística ou literária que valha uma criação de galinhas” (apud Steen, 1982, p. 260)
Em Lavoura arcaica (obra consagrada e premiada pela crítica brasileira), a personagem André (‘eu’ em árabe), num radicalismo exacerbado, despede-se da literatura de forma colérica e frustrativa, vindo a realizar o desejo de Nassar, o desejo de silenciar por completo. Nassar “retornou à ordem natural dos animais que é mais silenciosa, mas também mais previsível” (apud Castello, 1999, p.175)
Construído a partir de fragmentos de textos diversos, de forma não sincrônica, o primeiro capítulo de nossa monografia intitulado “Raduan Nassar – homem comum pelas limitações”, tem o objetivo de mostrar a vida de um dos maiores escritores contemporâneos que se considera apenas ‘homem comum’, bem como sua obra e sua época.
O segundo capítulo com o título “Sartre – Camus: uma relação de oposição dentro do existencialismo” explana, de forma breve e em linhas gerais, o existencialismo, e ao mesmo tempo, apresenta as diferenças existentes entre esses dois grandes escritores e filósofos filiados a essa corrente filosófica.
O terceiro capítulo “A cólera, o niilismo e a metafísica: uma temática constante em Lavoura arcaica” traz a conceituação de cólera, niilismo e metafísica e apresenta uma análise temática da obra abordada, mostrando as marcas existenciais presentes no texto.
Primeiramente, propomos uma definição para o verbete enigma, definido e tratado em nossa pesquisa como ‘sentido’, portanto tentamos mostrar o sentido do existencialismo ali presente.
Em vários momentos da narrativa, a cólera representará a exacerbação da prática transgressora. Na iniciação sexual de André com a cabra Schuda, nota-se que o animal é tido pelo garoto como um objeto que precisa de cuidados eróticos: “eu a conduzi com cuidados de amante extremoso... era de seu corpo que passei a cuidar no entardecer” (Nassar, 1989, p. 20)
No fragmento “eu estava era escuro por dentro” (Nassar, 1989, p. 16), a escuridão é a mais concreta certeza do vazio, do nada, da descrença enfrentada pelo narrador-personagem André.
Os temas metafísicos apresentados simbolicamente resumem a questão da ordem familiar que consiste no amor, no trabalho e na aceitação do tempo: “a terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra); existe neste ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo” (Nassar, 1989, p. 183)
O desafio fundamental do nosso trabalho foi desvelar o texto literário citado, encontrando nele indicadores do pensamento existencialista, estabelecendo uma série de interrelações entre as idéias de Nassar e aquelas de Camus e Sartre (dois grandes escritores e filósofos filiados ao existencialismo).
Para Sartre, o absurdo é resultado de uma experiência interior, de angústia devido à condição humana que é humilhada, ao contrário de Camus, que vê a grandeza no homem. No homem que enfrenta o destino, que revolta, que protesta e que ainda cria os seus próprios valores. A criação de valores pela ação, o engajamento e a liberdade são marcas do existencialismo e de Camus. Esse homem camusiano que olha de frente (en-frenta) o mundo e que luta contra ele, criando os seus valores contra o absurdo, vindo a substituir o inumano pelo humano é André, o filho pródigo, a ovelha negra da família, o acometido, o tresmalhado de Lavoura arcaica – personagem das mais fortes da nossa literatura.
O absurdo é generalizado por Sartre, para Camus ele se encontra na relação homem-mundo, tornando-se ação e revolta. Seguindo os preceitos camusianos, André se revolta e deixa a família patriarcal. O vocábulo liberdade se aproxima da palavra sujeição, na visão de Sartre, entendida por Camus como libertação. Não se sujeitando ao discurso paterno, André busca a libertação proposta por Camus.
A corrente filosófica denominada existencialismo apregoa a ‘vivência existencial’ difícil de ser definida, ao passo que para Raduan Nassar a existência se apresenta como ‘leitura da vida’.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Acróstico é uma composição poética em que as letras iniciais dos versos formam verticalmente uma palavra ou frase, muitas vezes um nome próprio.
Os poetas populares usam esse recurso como forma de identificar suas produções, assegurar a autoria de seus versos que são divulgados em publicações expostas em cordéis, em espaços públicos, como feiras.

Posso dizer que cantei
Aquilo que observei
Tenho certeza que dei
Aprovada a relação
Tudo é tristeza e amargura
Indigência e desventura
Veja, leitor, quanto é dura
A seca no meu sertão (Patativa do Assaré. ABC do Nordeste flagelado. São Paulo: Hedra,2001).
CECÍLIA MEIRELES – UMA INTELECTUAL “SUI GENERIS”

A poetisa Cecília Meireles foi lembrada por muitos como uma mulher distante e reservada. Dona de uma composição poética altamente feminina, chegou a transformar a vida em canto.
Segundo a escritora Lygia Fagundes Telles “ela era muito elegante , olhos verdes e um sorriso aberto, mas ao mesmo tempo, parecia inatingível e sempre olhava as pessoas como se estivesse se despedindo”. (Veja, 1998, p.144).
Nasceu no Rio em 07 de novembro de 1901 e aos 3 anos de idade conheceu a orfandade, vindo a morar com a avó materna.
Foi poetisa, professora (primária e universitária–Literatura Brasileira e Teoria), pedagoga e jornalista, passando horas e horas, em sua biblioteca, escrevendo, e só recentemente é que descobrimos a dimensão total do seu trabalho literário – textos em prosa, crônicas, reflexões sobre educação e ensaios sobre literatura.
Sua poesia lírica é altamente personalista, simples na forma, mas contendo imagens e simbolismos complexos, o que lhe rendeu importante posição na Literatura Brasileira do século XX.
A organização da prosa ceciliana foi entregue ao professor da Universidade Federal do Rio, Leodegário de Azevedo Filho que dividiu a obra em núcleos temáticos. Em suas crônicas, Cecília se mostrou capaz de falar de inúmeros assuntos e com muita desenvoltura, tornando-se reconhecida como uma intelectual “sui generis”.
A escritora confidenciou que “os livros eram um burburinho, um conjunto de vozes, que sempre lhe diziam coisas encantadoras, maravilhosas”. (Programa minas um livro aberto, 1999).
Para Letícia Mallard, escritora e professora da UFMG “ o binômio solidão e silêncio marcam a obra ceciliana, bem como, a transitoriedade da vida, do tempo, devido a sua sensibilidade causada pela orfandade”. (Programa Minas um livro aberto, 1999).
Em 1919 Cecília estréia na poesia com “Espectros” – conjunto de sonetos simbolistas, decadentistas, baseado numa composição poética nada modernista. Seus temas giravam em torno do sofrimento, da dor, da natureza que está agindo intaticamente com a alma, o sentimento, misticismo, a religiosidade, etc. Outra linha da sua poesia foi intitulada “poesia enquanto música” pois explorou a sonoridade das palavras e dos versos; foi também musicista, chegando a compor música para crianças e adultos.
Nessa primeira fase (Espectros), Cecília está bem próxima do grupo da revista FESTA que tinha o propósito de renovar a poesia, sem romper com a tradição, sendo considerados pelo grupo de Oswald de Andrade como passadistas. Ela acreditava que era marginalizada por ser mulher e ainda recorda, que Oswald “tinha uma ponta de preconceito com relação às escritoras”. (Veja, 1998, p.145).

Silviano Santiago (crítico literário) comentou que:
“há um time de mulheres notáveis
esperando lembrança, como Hen-
riqueta Lisboa, Adalgisa Neri ou
a escritora comunista Eneida, e que
a literatura feminina só estourou na
década de 70 e 80, colocando auto-
ras como Clarice Lispector, Rachel
de Queiroz e Lígia Fagundes Telles
na linha de frente.” (Veja, 1998, p.145).

“A passagem de Cecília pela revista Festa foi um meio legítimo para que ela chegasse ao pleno domínio da linguagem e fizesse uma poesia desvinculada de qualquer tradição”, comenta Azevedo Filho. (Veja, 1998, p. 145).
Com o livro “Viagem” de 1939, a escritora recebeu o prêmio de poesia pela Academia Brasileira de Letras. Nesse livro, a poetisa cristaliza seu estilo contido, sugestivo, rico de musicalidade, oscilando entre a melancolia e a ironia.
Quando um personagem chamava sua atenção, Cecília dizia ter “o vício de gostar de gente”, então, passava a trabalhar como ficcionista para descrevê-lo. Também percorreu inúmeros países, dizia não ser turista e sim viajante pelo desejo de “morar em cada coisa e descrever à origem de tudo”. (Veja, 1998, p.145).
Foi considerada por muitos escritores e críticos como fazedora do primeiro time de cronistas brasileiros, ao lado de Rubem Braga ou Paulo Mendes Campos.
Leu, traduziu e apresentou ao país vários poetas orientais como o indiano Tagore, o chinês Li Po e o japonês Bashô, e introduziu no Brasil poetas portugueses, dentre eles, Fernando Pessoa.
Escreveu textos folclóricos e de crítica de arte, como ensaios sobre inúmeros pintores – Portinari, Rembrandt, Van Gogh e Torres-Garcia.
No texto “Despedida de Portinari”, ela retrata de modo pouco lisonjeiro personalidades importantes, como José Lins do Rego e Marques Rebelo, chamados por ela de “HIPÓCRITAS” porque a cumprimentavam em festas e falavam mal dela pelas costas.
Como educadora escreveu inúmeros textos opinativos sobre o seu tempo, chegando a comprar brigas, pois assinava diariamente para os jornais Diário de Notícias e A Manhã.
Em 1932, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que promulgava a ideia de que a educação deveria deixar de ser religiosa, com isso irritou a Igreja e intelectuais católicos.
Com o “Romanceiro da Inconfidência” de 1953, a poetisa retoma uma forma poética de tradição ibérica dos romances populares, para constituir o episódio da Inconfidência Mineira. Encontra-se em suas páginas a mineração, as rivalidades e contendas, os impostos cobrados pela Coroa, a conscientização de alguns intelectuais e os ideais de liberdade. Ela afirmou tratar-se de “uma história feita de coisas eternas: ouro, amor, liberdade e traição”. ( Programa minas um livro aberto, 1999).
Para Ivete Walty, também da UFMG, “as poesias para crianças escritas por Cecília, não eram poesias para educar, mas sim, para sensibilizar”. (Programa minas um livro aberto, 1999).
Os aspectos mais importantes dos poemas cecilianos, segundo Sérgio Peixoto da UFMG consiste “na extrema musicalidade do verso. A sua poesia é metafórica tendendo para o símbolo. O símbolo como aquela coisa capaz de traduzir o mistério que há no mundo, uma visão esotérica quase que do mundo numa linguagem simbólica, melodiosa, tentando atingir o inefável. Sua poesia é atemporal por falar de modo bastante pessoal das principais coisas em relação ao homem e ao ser deste homem no mundo. A morte de que Cecília fala em seus poemas é a consciência clara da transitoriedade da vida”. [ grifos meus]. (Programa minas um livro aberto, 1999).
A grande poetisa viveu sobre a influência do modernismo, mas não se filiou a nenhum estilo de época; partiu em 1964, deixando-nos um grande legado:
“Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a
voltar sempre inteira
Poesia: arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados. Composição poética de pouca extensão. Gênero poético.
No tocante ao conteúdo, a poesia é uma maneira que o poeta encontra para projetar o mundo e suas coisas de acordo com uma visão pessoal, inteiramente particular. Nessas condições, a realidade exterior, quando aparece no poema, não precisa, necessariamente, de se apresentar tal qual ela se mostra aos olhos de todas as pessoas. Isto significa que o poeta ( o eu) apreende uma determinada realidade que existe no mundo que o cerca (o não-eu), retorna com ela para dentro de si, ou seja, interioriza-a para em seguida projetá-la de acordo com a sua visão, a sua maneira pessoal e particular de encará-la. Desse modo, tudo aquilo que existe no mundo pode se singularizar de acordo com uma óptica subjetiva, para assumir características próprias dessa visão pessoal.
No que diz respeito à linguagem, a poesia oferece uma certa ambigüidade, já que ela nunca diz as coisas diretamente mas, ao contrário, procura sugeri-las, usando de figuras e símbolos.

Quadrilha
Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história.




Soneto é uma composição poética de forma fixa: apresenta dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos). Geralmente, os versos dos sonetos possuem rima e o mesmo número de sílabas. Por isso, esse tipo de composição poética apresenta muita musicalidade.

Chave de ouro é o encerramento de um soneto cujo último verso resume e engrandece a mensagem do poema:
“Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?””

Soneto de Natal
Machado de Assis

Um homem, - era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações de sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Crônica: narra de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e no cotidiano; é geralmente um texto narrativo curto e leve, escrito com o objetivo de divertir o leitor e ou levá-lo a refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos; o narrador pode ser do tipo observador ou personagem; apresenta geralmente a variedade padrão informal, em linguagem simples e direta, próxima do leitor.
O Valente
Chegou na cidadezinha de Pedras Altas numa chuva antiga. Em boa sela e melhor estribo veio ele. Falava pelo canto da boca – do outro lado a brasa do seu charuto espiava o mundo. No Hotel Chic, tirando uma pesada e alentada garrucha, deu nome e patente:
__ Sou o Capitão Quirino Dias.
Mandou que arrumassem o seu baú de viagem dentro do maior cuidado:
__ É tudo munição, coisa de muita responsabilidade.
A cidadezinha de Pedras Altas viu logo que estava diante de um pistoleiro de marca. E isso ganhou raiz quando um tropeiro, indo ao Hotel Chic levar encomenda de boca, espalhou que o sujeitão do charuto era um perseguido da Justiça, que matava pelo gosto de ver de que lado o cristão caía:
__Vou simbora, que esse capitão é o capeta.
E foi. Atrás da poeira do tropeiro a fama de Quirino Dias cresceu. No Hotel Chic o melhor prato era para seu dente, o melhor doce era para sua língua. De tarde, em cadeira de palhinha, o capitão montava a sua pessoa na porta da rua. Pedras Altas passava por ele de cabeça baixa, acanhada, fazendo questão de salvar o pistoleiro. E no dia em que bebeu cachaça, com pólvora, na vista de todo o Hotel Chic, então não teve mais tamanho a sua fama. Bebeu e disse:
__ Tenho trabalho longe. Só volto na semana entrante.
No quarto, remexeu o baú, limpou a garrucha e sumiu nas patas de seu brasino. O povo comentou:
__ É viagem de tocaia.
Foi e voltou dentro do tempo estipulado. De novo montou seu charuto na porta do Hotel Chic. Com o rolar dos dias, o capitão ficou mais exigente. Uma tarde, como não apreciasse o canto choco de certo galo-capão, foi ao quarto, mexeu no baú e despojou dois tiros no infeliz. Fez o mesmo com um bem-te-vi que gozava as suas tardes fagueiras em galho de jaqueira. Desde essa precisa hora em diante, toda vez que o capitão ameaçava recorrer ao baú, Pedras Altas tremia:
__ Capitão, não faça isso, capitão, tenha dó.
A bem dizer, a cidadezinha era dele. Seus pedidos de dinheiro corriam nas pernas dos moleques de leva-e-traz. E era quem mais queria municiar o capitão, no medo de que fosse ao baú.
Ele mesmo dizia pelo canto desocupado da boca:
__ Não abro aquela peça sem ganho.
Aconteceu, então, o caso da onça. A notícia veio ligeira e ligeira parou no Hotel Chic. A pintada fazia e acontecia, comia bezerro com casco e tudo. O recadeiro mediu o tamanhão da bichona:
__ É de porte alentado, para mais de duzentas arrobas.
Pedras Altas riu da onça, da desgraça da onça. Tanto pasto para vadiar e logo veio a pobre tirar carta de brabeza! Em Pedras Altas do Capitão Quirino Dias! Pepito Rosa, dono de um comercinho de cachaça, riu da pouca sorte de onça:
__ Vai ser azarada assim na casa dos capetas.
Uma embaixada de coronéis, com todos os seus pertences, na mesma tarde foi pedir a Quirino Dias providências contra a onça. Logo na abertura da conversa, o capitão arregalou os olhos e gritou:
__ Onça? Está dando onça em Pedras Altas? Socorro! Quero lá saber disso!
E a cidade inteira viu assombrada, de queixo caído, o pistoleiro sumir de ladrão, fugindo nos cascos de seu cavalo. Nem teve tempo de levar o baú, uma peça de folha onde o capitão guardava suas bugigangas – pentes, rendinhas, frascos de cheiro, alfinetes e águas de moça. Quirino dias era caixeiro-viajante. (José Cândido de Carvalho)
Vocabulário:
Patente: o que se patenteia, que é evidente. Documento de concessão de um título, posto ou privilégio; esse posto ou privilégio.
Tropeiro: condutor de tropas de animais, condutor de bestas de carga.
Entrante: que entra, que está para começar: mês entrante.
Brasino: da cor da brasa.
Recadeiro: diz-se daquele que vai a recados, ou que faz recados.
Municiar: prover de munições.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009



Fábula: narração breve, de caráter alegórico, em verso ou em prosa, destinada a ilustrar um preceito.
Nas fábulas, narrativas em que os personagens geralmente são animais, encontramos uma mensagem sobre o comportamento humano.

Diamantes e lagartos

Era uma vez uma mulher que tinha duas filhas. A maior era muito antipática e orgulhosa. A mais nova era boa e generosa. A mãe sentia uma enorme antipatia pela menor, e a fazia trabalhar o tempo todo.
Entre outras coisas, a garota devia recolher água em um bosque distante. Um dia, quando a menina chegou ao lago, uma mulher muito pobre pediu um gole d’água.
_Claro, de todo o coração, senhora – disse a garota.
_Você é tão bondosa e amável que eu vou te dar um presente. Foi nessa hora que a menina descobriu que a senhora era uma fada que havia tomado a forma de uma pobre camponesa para ver como a garota a tratava.
_A cada palavra que disseres, uma flor ou uma jóia cairá da tua boca.
Quando a menina chegou em casa, a mãe se surpreendeu ao ver saltarem de sua boca duas rosas e dois lindos diamantes.
_O que vejo? Flores e jóias caem da boca desta menina!
A garota contou o que aconteceu. E a mãe ordenou para a mais velha:
_Leve esta jarra ao lago. Se uma mulher pobre te pedir um gole, dê.
_Não vou pegar água! Esta idiota pode me dar suas jóias.
A mãe insistiu e, de cara fechada, a menina foi ao bosque. Assim que chegou ao lago, uma bela dama pediu-lhe um pouco d’água. Era a mesma mulher que havia encontrado sua irmã, mas com outros trajes.
_Não vim aqui para te dar água. Vá pegar lá no lago – disse a menina, malcriada como sempre.
_Você não é muito gentil – respondeu a moça. _Como é tão rude e grosseira, te darei esse dom: a cada palavra que disseres, saltarão cobras e lagartos da tua boca.
Quando a filha voltou para casa, a mãe perguntou:
_Querida, viste a fada?
_Sim, mamãe – respondeu a garota.
Duas cobras e dois lagartos logo saltaram.
_O que é isso? – exclamou a mãe. _ O que você fez? A menina tentou responder, mas a cada palavra outras cobras e lagartos surgiam. E assim foi para sempre. Jóias e flores caíam dos lábios da filha menor, que era bondosa e solidária. Já a filha maior nunca mais pôde falar sem que houvesse uma chuva de cobras e lagartos. (Adaptado de fábula de Charles Perrault)

Solidariedade

Solidariedade

É o sentimento que faz alguém se sentir responsável por sua família, sua comunidade, seu país e a própria humanidade. E se dispor a diminuir o sofrimento dos outros. Uma pessoa que doa sangue, empresta agasalho a quem sente frio, ensina aos outros o que sabe mais que eles é solidária. Um país também pode ser solidário, enviando comida e remédios a países que precisam, e intermediando a paz, por exemplo.
A palavra vem do radical latino solid: sólido, firme, resistente. É comumente associada a união e fraternidade.

Frases:

“A salvação do ser humano está exatamente nos outros. A gente não pode sobreviver, a não ser no coletivo”. (Henfil, cartunista brasileiro)

“Nada é maior do que a solidariedade, e por ela a gente não agradece, se alegra”. (Betinho, sociólogo brasileiro)

“A generosidade consiste em dar antes de ser solicitado”. (Provérbio árabe)

“A paz tem que nascer de um coração que saiba perdoar, receber o outro assim como ele é e socorrê-lo naquilo de que ele precisa”. (Dom Paulo Evaristo Arns, religioso brasileiro)

“Um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é realidade”. (Raul Seixas, cantor e compositor brasileiro)

“Não existe verdadeira inteligência sem bondade”. (Ludwig van Beethoven, compositor alemão)
“Sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas, sem ele, o oceano seria ainda menor”. (Madre Teresa de Calcutá, religiosa iugoslava)

Respeito

Respeito
É o sentimento que leva as pessoas a dar atenção às outras, a ter consideração, admiração. Significa também homenagem: “Diga-lhes que enviei meus respeitos”. Vem do latim respectu, “ato de olhar para trás”: o passado de uma pessoa engrandece o respeito que se tem por ela.
Respeitar os mais velhos é ouvir o que eles têm a dizer e compartilhar a sabedoria que eles adquiriram durante a vida. Vale não só para as pessoas. A pessoa respeitadora cuida de casa, da escola, da cidade, da natureza. Na história, há muita gente que lutou pelo respeito: aos índios, aos negros, às mulheres. Quem respeita, respeita também as diferenças entre as pessoas e defende que todos recebam tratamento igual, independentemente de raça, religião e condição social.
Frases:
“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea” (Nélson Rodrigues, escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro).
“É assim que desempenhamos nosso ser social: pelo respeito às tradições, pelo respeito ao saber do outro e pelo exercício do pertencimento a uma teia que nos une ao infinito”. (Daniel Munduruku, escritor brasileiro de origem indígena)
“Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante”. (Albert Schweitzer, filósofo, médico, músico, clérigo e teólogo alemão)
“A perfeição da própria conduta consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia”. (Voltaire, escritor e filósofo francês)
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. (Antoine de Saint-Exupéry, escritor e aviador francês)
“O meu próximo, para mim, é como eu mesmo”. (Terêncio, poeta latino)

Justiça



Justiça.
É dar a cada um o que é seu. Ainda dizemos: “ele fez jus à homenagem”, ou seja, merecia-a por alguma coisa que tinha feito antes.
A palavra vem dos termos latinos jus, juris – “direito, justiça” – e justitia: eqüidade, exatidão do peso. Por isso, um de seus símbolos é uma balança de dois pratos equilibrada. O outro é uma mulher de olhos vendados, porque ela não vê quem está do outro lado: é igual para todos.
A justiça está em ações grandes e pequenas: de lutar pela liberdade de um povo a dar ao aluno uma nota que corresponda de verdade a seu desempenho.

Frases:

“Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós”. (Nicolas Boileau, escritor francês)

“Seja justo no momento preciso. Toda justiça que tarda é injustiça”. (Marcel Schwob, escritor francês)

“Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, então a injustiça é minha”. (Mahatma Gandhi, filósofo e pacifista indiano)

“Faça-se justiça, ainda que o mundo pereça”. (Fernando I, rei da Hungria)

“De que valem leis, onde falta nos homens o sentimento da justiça?”. (Rui Barbosa, jurista brasileiro)

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. (Martin Luther King Jr., líder da luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos)

“Nada se impõe aos homens como a afirmação de um sentimento justo”. (Eça de Queiroz, escritor português)

Honestidade
È a característica do homem correto, digno, decente. Quem é honesto não tira vantagens sobre outros, não mente. Não aceita receber uma coisa que não merece: seja o elogio por uma idéia que não foi sua, ou o dinheiro que tenha recebido a mais de troco. Fala e defende a verdade apesar dos riscos e conseqüências que ela pode trazer. E conquista a confiança de todos.
A palavra vem de honor: honra, em latim. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, honra é um princípio ético que faz com que aqueles que o seguem gozem de bom conceito junto à sociedade.

Frases:

“Para o homem honesto uma boa reputação é a melhor herança” (Publilus Syrus, escritor latino)

“Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto” (Mahatma Gandhi, filósofo e patriota indiano)

“A verdade alivia mais do que machuca. E estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água” ( Miguel de Cervantes, escritor espanhol)

“Quem perde a honestidade não tem mais nada que perder” (John Lyly, escritor inglês)

“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (Paulo Freire, educador brasileiro)

“É melhor merecer as honras sem recebê-las do que recebe-las sem merecê-las” (Mark Twain, escritor norte-americano)

“Não há legado mais rico que a honestidade” (William Shakespeare, poeta e dramaturgo inglês)

Amizade

Amizade
Vem do latim amicitia: “afeição, simpatia, aliança, pacto”. É um laço que se estabelece com o outro que é ao mesmo tempo compromisso e sentimento. É vontade de estar junto, de compartilhar e de ouvir. De dar e receber afeto. Ser companheiro. Querer para o outro tantas coisas boas quanto quer para si. E dividir os bons e os maus momentos. Costumamos falar em “ombro amigo” quando buscamos um acolhimento, porque a amizade é a camaradagem de todo dia, mas é também a certeza de um porto seguro, de uma pessoa com quem sempre se poderá contar.

Frases:

“Um irmão pode não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão” (Benjamin Franklin, político e inventor norte-americano)

“Amigo é quem te socorre, não quem tem pena de ti” (Thomas Fuller, escritor inglês)

“Se os meus amigos fugirem de mim, fugirão todos os tesouros” (Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa, escritor e professor brasileiro)

“Amigo verdadeiro é aquele que nos quer apesar de nada” (Luís Felipe Angell, o Sofocleto, humorista peruano)

”Por mais raro que seja, ou mais antigo, só um vinho é deveras excelente: aquele que tu bebes calmamente com o teu mais velho e silencioso amigo” (Mário Quintana, poeta brasileiro)

“O acaso nos dá parentes, mas a escolha nos dá amigos” (Júlio Dinis, escritor português)

“A gente não faz amigos, reconhece-os” (Vinícius de Moraes, poeta e compositor brasileiro)




terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Padre Antônio Vieira

Pe. Antônio Vieira

- nasceu em Lisboa, em 1608.
- morreu em 1697, na Bahia.
- é a mais alta personalidade humana e cultural dessa época – Barroco Português.
- possuía um senso improvisador.
- esteve sempre empenhado em aplicar seu ideário de Justiça e Fraternidade entre os homens.

Obras: Sermões (1679-1748) – l5 volumes.
Cartas (1925-26-28) 3 volumes
Arte de Furtar
Quinto Império
História do Futuro (1718)
Clavis Prophetarum (obra inédita e perdida).

Características:

- apresenta uma linha dilemática, contraditória, com antíteses e oposições, instável no esforço de orientar e persuadir.
- preocupação em anular a dicotomia radical existente no ser humano, formado de corpo e alma. (unificar corpo e alma).
- não era gongórico e sim dialético conceptista e insurgia contra os excessos gongóricos.
- para despertar a consciência dos leitores usava de analogias e metáforas.
- apresenta ambiguidades, sentidos ocultos, mistérios – ingredientes sobrenaturais para descortinar paradoxos.
- rigor na lógica do pensamento (começo, meio e fim).
- apresentação dos Sermões através de parábolas.
- linguagem direta e insinuante. (Inventava as histórias de acordo com os problemas do povo – SERMÕES ENGAJADOS – de preocupação social).
- silogismos.

A estrutura dos Sermões segue o plano tradicional, concebido pela Retórica, desdobrando-se em cinco passos:

a- tema: evocação de uma passagem bíblica, que sustente a tese do discurso;
b- intróito: exposição do plano geral do sermão;
c- invocação: pedido de inspiração, geralmente feito à Nossa Senhora;
d- argumentação: corpo do texto, desenvolvido conforme o plano previamente concebido. O suporte teórico vem de exemplos extraídos da Bíblia, das encíclicas papais e dos textos elaborados pelos doutores da igreja.
e- peroração: conclusão, momento de reafirmação das verdades morais expostas no sermão.

Temas abordados por Vieira: temas profanos, voltando suas preocupações para o debate de problemas político-sociais. Focalizou os costumes, a economia, a guerra, a política, a literatura, etc. Criticou a acumulação e a péssima distribuição dos cargos públicos, o que gerava enorme ônus aos cofres do Estado.Censurava igualmente a exploração dos pequenos pelos poderosos, não deixando de lamentar o estado de abandono da agricultura, por força dos pesados impostos cobrados dos camponeses.

Sermão da Sexagésima

- extraído de uma passagem bíblica: “A semente é a palavra de Deus” (S.Lucas VIII, 2).
- apresenta uma parábola para explicar o mundo e as atitudes do ser humano (no sentido de explicar sobre a matéria e o espírito).
- no Sermão da Sexagésima, o orador atinge os fiéis de modo direto e insinuante.
- apresenta na 1ª premissa = introdução quando fala dos três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus.
- apresenta na 2ª premissa = uma parábola na qual narra toda uma passagem bíblica (prós e contras).
- no epílogo – ele fala que o homem não deve sair dali contente e feliz com o que ouvira, mas triste por causa de seus maus costumes, de suas vidas pecaminosas, suas ambições, enfim os seus pecados.

Trechos do Sermão:

“Fazer pouco fruto...parte de Deus” – conceptismo.
“olhos, espelho e luz” – usa metáforas para mostrar o conteúdo de pensamento.
“Deus está pronto de sua parte” – poder de Deus (teocentrismo).
“Lançadas nos espinhos não frutificou, mas nasceu até nos espinhos” – metáfora, analogias ou correspondência de idéias.
Com os Sermões Padre Vieira queria atingir o povo para convertê-los.

Resumo: "´Macunaíma" de Mário de Andrade

“Macunaíma” (Mário de Andrade)

-publicado em 1928, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira. Revolucionária, desafiou o sistema cultural vigente com uma nova organização da linguagem literária.
- o livro é dividido em 17 capítulos e um epílogo. Tem como subtítulo “o herói sem nenhum caráter” e, curiosamente, não é classificado como romance, conto, novela, mas trata-se, segundo o autor, de uma rapsódia, uma epopéia às avessas, uma epopéia modernista.
- para Mário, a rapsódia é uma combinação de temas heterogêneos, assuntos variados, gêneros diversos e estilos diferenciados.
- ainda, com referência ao gênero literário, a obra aproxima-se da epopéia clássica, tendo em comum o traçado das aventuras de um herói sobre-humano, que reverte a realidade em prol do maravilhoso, fato que deve ser entendido como uma aproximação dos mitos e deuses pagãos para que eles intervenham na natureza da narrativa literária. Em Macunaíma, os seres do imaginário indígena afloram e intervêm na narrativa, mas, como não são entidades absolutas, podem ser trapaceadas, enganadas, boicotadas pelo herói.
- nacionalista crítica, porém sem ser xenófoba, Macunaíma é a obra que melhor sintetiza as propostas do movimento da Antropofagia, criado em 1928 por Oswald de Andrade com o objetivo de igualar a cultura brasileira às demais.
- Mário de Andrade e o Modernismo –
Foi a Semana de 22, com seus desdobramentos, que projetou Mário de Andrade como figura-chave do movimento modernista. Com determinação própria dos líderes que visam implantar uma nova consciência, ele multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural, além de ter ocupado cargos na burocracia estatal, ligados ao desenvolvimento da cultura em geral.
- A rapsódia –
Mário conta que escreveu Macunaíma em apenas seis dias, deitado, bem à maneira de seu herói, numa rede na Chácara de Sapucaia, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo, durante umas férias. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever... Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro”.
- Macunaíma é fruto de anos de pesquisa das lendas e dos mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular de várias regiões do Brasil. Trata-se de uma rapsódia. Este termo foi utilizado pelos gregos para designar obras como a Ilíada ou a Odisséia, de Homero, contendo séculos de narrativas poéticas orais, e resumindo as tradições folclóricas de todo um povo.

- Criando mitos –
Além de descrever vários mitos,Mário de Andrade também inventa outros, de maneira irônica. Apresenta os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa do autor, muita invenção.


- o Brasil na época de Macunaíma –
Quando Macunaíma surgiu, no final da década de 1920, a sociedade brasileira se mostrava bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos por quatro séculos. O número de fábricas, especialmente em São Paulo, havia crescido, além dos grandes aglomerados urbanos, com população equivalente a 1 milhão de habitantes.Comércio e indústria prosperavam rapidamente, puxados pelo mercado consumidor formado por moradores das cidades e por colonos de origem estrangeira. Na esteira dessas alterações, as mulheres também mudavam seu comportamento: fumavam, iam sozinhas ao cinema e usavam roupas que deixavam as pernas mais à mostra.

- Cenário político –
Além da Semana de Arte Moderna de 1922, a década de 1920 foi marcada pelo surgimento do Partido Comunista e do movimento tenentista, que se opunham ao governo federal, oposição que teve seu clímax com a criação, por revolucionários paulistas, da Coluna Prestes – movimento que percorria 33 mil quilômetros do interior do Brasil, se envolvendo em mais de 100 combates entre 1924 e 1927.

- As fontes –
Mário de Andrade nunca escondeu que se inspirou na obra Vom Roroima zum Orinoco – Do Roraima ao Orenoco -, do etnógrafo naturalista alemão Theodor Koch-Grünberg, publicada em cinco volumes entre 1916 e 1924. Graças ao trabalho de Ivan Cavalcanti Proença, Roteiro de Macunaíma, é possível acompanhar como Mário de Andrade foi reelaborando as narrativas colhidas na obra de Koch-Grünberg, mesclando-a a outras fontes, como livros de Capistrano de Abreu, Couto Magalhães, Pereira da Costa ou mesmo a relatos orais, como o que o compositor Pixinguinha lhe fez de uma cerimônia de macumba, para ir tecendo sua rapsódia.

- Personagem ambíguo –
Nas palavras do poeta-crítico Haroldo de Campos, “o próprio Koch-Grünberg, em sua ‘Introdução ao volume’, ressalta a ambigüidade do herói, dotado de poderes de criação e transformação, nutridor por excelência, ao mesmo tempo, todavia, malicioso e pérfido”.
Segundo o etnógrafo alemão, o nome do herói tribal parece conter como parte essencial a palavra MAKU, que significa “mau” e o sufixo IMA, “grande”. Assim, Macunaíma significaria “O grande mau”, um nome , segundo observa Grünberg, “que calha perfeitamente com o caráter intrigante e funesto do herói”.

- Foco narrativo -
Embora predomine a fala da terceira pessoa, Mário de Andrade inova nesta obra ao utilizar uma técnica cinematográfica, a de cortes bruscos no discurso do narrador para dar lugar à fala dos personagens, especialmente de Macunaíma. A técnica imprime velocidade, simultaneidade e continuidade à narrativa. Exemplo: “Lá chegando ajuntou os vizinhos, criados a patroa cunhãs datilógrafos estudantes empregados-públicos, muitos empregados-públicos! Todos esses vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do Arouche e matara dois...
- ... mateiros, não eram viados mateiros, não, dois viados catingueiros que comi com os manos. Até vinha trazendo um naco pra vocês mas porém escorreguei na esquina, caí derrubei o embrulho e cachorro comeu tudo”. (CAP. XI – A Velha Ceiuci).

- Espaço e Tempo -
As estripulias sucessivas de Macunaíma são vividas num espaço mágico, próprio da atmosfera fantástica e maravilhosa em que se desenvolve a narrativa. Em seu Roteiro de Macunaíma, Cavalcanti Proença afirma que Macunaíma se aproxima da epopéia medieval, pois “tem de comum com aqueles heróis a sobre-humanidade e o maravilhoso”.
Ainda segundo Cavalcanti Proença, “Macunaíma está fora do espaço e do tempo. Por esse motivo pode realizar aquelas fugas espetaculares e assombrosas em que, da capital de São Paulo foge para a Ponta do Calabouço, no Rio, e logo já está em Guarajá-Mirim, nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas para, em seguida, chupar manga-jasmim em Itamaracá de Pernambuco, tomar leite de vaca zebu em Barbacena, Minas Gerais, decifrar litóglifos na Serra do Espírito Santo e finalmente se esconder no oco de um formigueiro, na Ilha do Bananal, em Goiás”.
Macunaíma é um personagem outsider, enquanto marginal, anti-herói, fora-da-lei, na medida em que se contrapõe a uma sociedade moderna, organizada num sistema racional, frio e tecnológico.
Assim, o tempo é totalmente subvertido na narrativa.
O herói do presente entra em contato com figuras do passado, estabelecendo-se um curioso” diálogo com os mortos”. Macunaíma fala com João Ramalho (século XVI), com os holandeses (século XVII), com o pintor francês naturalista Hercule Florence (século XIX) e com Delmiro Gouveia (século XIX) – pioneiro da usina hidrelétrica de Paulo Afonso e industrial nordestino que criou a primeira fábrica nacional de linhas de costura.

- Enumerações e desregionalização -
O leitor mais atento de Macunaíma perceberá a abundância de enumerações na obra. Já na primeira página da obra encontrará a enumeração das danças tribais: “...freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cacuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.”
Essas enumerações mostram o trabalho de pesquisa de Mário de Andrade, freqüentemente misturando elementos de várias regiões do país, que com isso pretende desregionalizar sua obra, procurando “conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea – um conceito étnico nacional e geográfico”.
A grande estudiosa da obra de Mário Telê Porto Ancona Lopez resume bem o problema: “Mário de Andrade realizava em suas leituras pesquisa de palavras, termos e expressões características dos diversos recantos do Brasil. Grifava e recolhia. Depois os empregava, nos conjuntos os mais heterogêneos, procurando anular as especificações do regional, e dar uma visão geral de Brasil... É, pois, graças à coleta de palavras que Mário de Andrade desenvolve a idéia de que Macunaíma pode apresentar tão freqüentes enumerações de aves, peixes, insetos ou frutas. Essas enumerações, além de válidas para a quebra do regionalismo, contribuem para a criação de ritmo de embolada, alternando sílabas longas e breves, no trecho em que se inserem. Ritmo procurado, aliás, porque o autor não usa vírgulas.”

- A carta pras Icamiabas –
Precisamente no meio da narrativa, no capítulo IX da obra, encontramos um “Intermezzo”, como o chamava o autor. Trata-se da “Carta pras Icamiabas”, sátira feroz ao beletrismo parnasiano da época.
Macunaíma escreve a suas súditas para descrever-lhes a cidade de São Paulo construída sobre sete colinas, à feição tradicional de Roma, a cidade cesárea, “capita” da latinidade de que provimos.
Com isso Mário de Andrade vai na contramão dos relatos dos cronistas quinhentistas, como Pero Vaz de Caminha, Gabriel Soares de Sousa e Pero de Magalhães Gandavo. Em Macunaíma, é o índio que descreve a terra desconhecida para seus pares distantes. Sem caráter, Macunaíma faz esse relato tomando emprestada a linguagem rebuscada de um Rui Barbosa ou de um Coelho Neto. A paródia torna-se hilariante por conta dos erros grosseiros cometidos pelo falso erudito Macunaíma, que escreve asneiras do tipo “testículos da Bíblia” por “versículos” ou “ciência fescenina” por “feminina”.

Em 1928, publica a rapsódia Macunaíma, uma das obras-primas da literatura brasileira. A história do “herói sem nenhum caráter” é composta da reunião de lendas e mitos indígenas. Ao criar um personagem que vem da mata para a cidade de São Paulo, Mário de Andrade inverte os relatos dos cronistas quinhentistas.

Com um estilo que tenta ser pomposo, Macunaíma enuncia, na “Carta pras Icamiabas”, o slogan que irá adotar para definir os problemas do Brasil: “tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes! Em breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte!... Por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um DÍSTICO, em que se encerram os segredos de tanta desgraça: ‘Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são.’ Este dístico é que houvemos por bem escrevermos no livro de Visitantes Ilustres do Instituto Butantã, quando foi da nossa visita a esse estabelecimento famoso da Europa.”
O slogan recupera o conhecido poema de Gregório de Matos (1636-1695), no qual o poeta satírico baiano enumera as vilezas do país, terminando cada estrofe com o irônico refrão: “Milagres do Brasil são”. Remete, também, à frase do cronista Saint-Hilaire: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.

Macarronada antropofágica: brincadeira em torno da Antropofagia, importante movimento modernista concebido por Oswald de Andrade, e cuja linha mestra de pensamento consistia na “deglutição” das demais culturas do mundo pela cultura brasileira. Seria o Brasil, em termos antropofágicos, exatamente o que é a estrutura de Macunaíma em termos literários: a grande mistura, a grande miscelânea, de tudo.


Resumo: “Macunaíma” – o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade
Macunaíma, o mais importante anti-herói de nossa literatura, é chamado todo o tempo de “herói”. Nasceu em plena floresta Amazônica. Perde Ci, a mãe do mato, e a pedra muiraquitã por ela deixada, que cai nas mãos do gigante Piaimã, ou Venceslau Pietro Pietra. O herói parte então para São Paulo ma companhia dos irmãos, Maanape e Jiquê, para retomar a pedra. A caminho, lavam-se em águas mágicas e, todos “pretos retintos, transformam-se: Macunaíma fica branco, louro de olhos azuis”, Jiquê fica da “cor do bronze novo” e Maanape continua negro, mas com a palma das mãos e a planta dos pés rosados. Essa passagem remete à lenda indígena da formação das três raças.
Em São Paulo, Macunaíma, depois de passar por várias peripécias, consegue encontrar e derrotar o gigante, reaver a pedra e voltar para a floresta. Lá, é perseguido pelo minhocão Oibe e, enganado pela Uiara, perde novamente a pedra. Cansado, ferido, sem uma perna, sozinho, pois tinha perdido os irmãos, o herói resolve abandonar este mundo e se transformar na constelação Ursa Maior.
Como um mito de libertação do inconsciente coletivo, Macunaíma é uma personagem que se metamorfoseia de acordo com as necessidades e circunstâncias, sem apresentar um caráter definido. Ele pode também simbolizar uma síntese da cultura e da mentalidade brasileiras, que não têm uma linha precisa de resistência, sendo uma mescla de influências.

Muiraquitã: dá poderes sobrenaturais para Macunaíma, simboliza o encontro consigo mesmo, ao encontrá-lo, ele retorna para casa. A iniciação se dá através do muiraquitã (talismã) que proporciona uma viagem de si mesmo. (Busca da identidade)
Boa leitura!