terça-feira, 3 de março de 2009

Conto é uma narrativa ficcional curta, condensada, que apresenta poucas personagens, poucas ações e tempo e espaço reduzidos. O enredo tem geralmente a seguinte estrutura: introdução, complicação, clímax e desfecho. Emprega geralmente a variedade padrão da língua.

A Morte Vermelha
Edgar Allan Poe

A morte vermelha havia matado milhares de pessoas. Nenhuma doença tinha sido tão terrível. Havia dores agudas e desmaios repentinos e um sangramento intenso através da pele; a morte chegava em meia hora. Manchas vermelhas no corpo e especialmente no rosto separavam o sofredor de toda ajuda e solidariedade; e assim que esses sinais apareciam toda esperança era perdida.
Mas Príncipe Prospero era feliz e corajoso e sábio. Quando metade de seu povo havia morrido, ele reuniu milhares dos seus cavalheiros e damas, todos alegres e com boa saúde, e que com eles foi morar em seu mais distante castelo. O edifício imenso e suas terras eram circundados por um muro forte e alto. Este muro possuía portões de ferro. Os lordes e suas famílias, tendo entrado, aqueceram e derreteram as fechaduras dos portões, e se certificaram de que não haveria nenhuma chave que pudesse abri-los algum dia de novo. O castelo, no qual ninguém poderia agora entrar ou sair, era bem provido com comida e seguro contra o perigo de doenças. O mundo lá fora poderia tomar conta de si mesmo. Ali dentro seria estúpido se preocupar ou pensar. O príncipe tinha planejado uma vida de prazeres. Havia atores e músicos, havia coisas bonitas, havia vinho. Tudo isso e a segurança existiam lá dentro. Lá fora estava a Morte Vermelha.
A corte havia estado talvez cinco ou seis meses no castelo e a doença havia atingido seu ponto máximo, rompendo as muralhas, quando Príncipe Prospero divertia seus milhares de amigos em um excepcional e grandioso baile de máscaras.
Sete das melhores salas do castelo foram especialmente organizadas para o baile. Estas salas estavam situadas irregularmente em um canto do edifício, com curvas acentuadas entre elas; de forma que era dificilmente possível ver o interior mais que um por vez. Cada uma das salas estava pintada e decorada com uma cor diferente, e as janelas eram de vidros coloridos para combinar com as salas. A sala do lado leste foi pintada de azul e suas janelas eram azul-brilhante. A segunda sala era rosa, e lá os vidros eram roxos. A terceira era toda verde, a quarta amarela, a quinta laranja e a sexta branca. A sétima sala era completamente negra, mas suas janelas eram diferentes. Elas eram as únicas que não combinavam com a cor da sala. Os vidros ali eram de um vermelho profundo – a cor do sangue.
Então não havia lâmpadas ou luzes em nenhuma dessas salas. Mas fora de cada uma das janelas coloridas, fogueiras haviam sido acesas, e suas chamas produziam figuras estranhas e belas nas salas. Na sala negra, no entanto, o efeito da luz do fogo que brilhava através do vidro vermelho era terrível ao extremo. Poucos do grupo eram suficientemente corajosos para entrar naquela sala. Nesta sétima sala também um grande relógio de madeira preta ficava contra a parede do lado oeste. Quando chegou o tempo para este relógio marcar a hora, ele emitiu um som que era claro e alto e profundo e muito musical, mas de um tom tão estranho que os músicos pararam de tocar para ouvi-lo. Então a dança foi interrompida e houve alguns momentos de confusão entre o grupo feliz. Quando a última badalada tinha terminado, um riso leve irrompeu. Os músicos olharam uns para os outros e sorriram de sua própria estupidez, dizendo que eles certamente não permitiriam que o badalar do relógio interrompesse sua música da próxima vez. Mas sessenta minutos mais tarde haveria uma outra parada e o mesmo desconforto e confusão de antes.
Apesar disso, foi uma festa alegre. Havia beleza e originalidade nos vestidos das damas e muito era o brilho e a imaginação nos trajes dos cavalheiros, embora houvesse alguns que pareciam assustadores. Os dançarinos mascarados se movimentavam entre as sete salas como silhuetas em um sonho. Eles se moviam no ritmo da música e mudavam de cor conforme eles passavam de uma sala para outra. Era evidente que, com o passar da noite, poucas pessoas iam se aproximando da sétima sala – a sala negra -. Com suas janelas vermelho-sangue.
Finalmente o grande relógio daquela sala começou a badalar a meia-noite. E então a música parou, como eu disse, e os dançarinos ficaram quietos, e havia um sentimento de desconforto entre todos eles. Antes que a última das doze badaladas tivesse tocado, muitos dos mais atenciosos dançarinos haviam percebido na multidão uma figura mascarada que ninguém vira antes. Sua aparência causou primeiramente um sussurro de surpresa, que passou rapidamente a lamentos de medo, de incômodo, de terror.
O espectro era alto e magro e vestido da cabeça aos pés com roupas de túmulo. A máscara que cobria seu rosto era feita para se assemelhar a uma caveira, que mesmo com o exame mais detalhado, não poderia facilmente ser tomado como falso. Mas o grupo presente realmente não se opunha a nada disso. Seu aborrecimento e medo vinham do fato de que o estranho estava vestido como a Morte Vermelha. Suas roupas estavam manchadas de sangue – e em seu rosto todo havia as marcas vermelhas da morte.
Quando os olhos do Príncipe Prospero caíram sobre aquela figura terrível que ( que caminhava vagarosamente entre os dançarinos) seu rosto avermelhou-se de raiva.
“Quem ousa ele exigiu fortemente dos cavalheiros e damas que estavam perto dele “quem ousa nos insultar dessa maneira? Peguem-no e arranquem a máscara de modo que nós possamos saber quem nós teremos que enforcar ao amanhecer!”
O Príncipe estava em pé no lado leste ou na sala azul, assim que ele disse essas palavras, com um grupo de seus amigos particulares ao seu lado. Primeiramente houve um ligeiro movimento daquele grupo em direção à estranha figura que, no momento, estava perto também; mas ninguém pôde estender a mão para pegá-lo. Ele andava, sem ninguém detê-lo; passou pelo príncipe, da sala azul para a roxa, da roxa para a verde, da verde para a amarela, desta novamente para a laranja e ainda de lá para a sala branca, antes que nenhum movimento firme fosse feito para detê-lo. Então Príncipe Prospero, nervoso e envergonhado de seu próprio medo, correu rapidamente pelas seis salas, puxando sua espada ao passar. A figura havia chegado à parede do lado oeste da sétima sala, a negra, quando ela virou repentinamente em direção ao príncipe. Havia um grito agudo e a espada caiu no chão. Imediatamente após, Príncipe Prospero caiu morto. Então, com uma coragem provocada por um senso de impotência, uma multidão de lordes se jogou sobre o estranho, que ficou calado e parado à sombra do grande relógio negro. Eles tiraram a máscara da morte e as roupas de sangue – então recuaram, tremendo de medo. Não havia forma humana ou corpo para ser vistos. A máscara e as roupas estavam vazias.
E então eles sabiam que estavam na presença da Morte Vermelha. Ela havia chegado como um ladrão na noite. E um por um os dançarinos tombaram e morreram naqueles corredores de prazer. O relógio negro tocou uma vez, e parou. E as chamas das fogueiras se apagaram. E a Escuridão e Decadência e a Morte Vermelha reinaram completamente.


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